Em 14 de abril de 1895, no bairro do Brás, em São Paulo, o paulistano promoveu a primeira partida de futebol no Brasil. O confronto entre funcionários da São Paulo Railway e da Companhia de Gás deu o pontapé inicial para uma paixão que atravessaria gerações. Tudo começou ali — e a TVT News te conta o porquê.
Quem foi Charles Miller?
Charles William Miller nasceu em 24 de novembro de 1874, em São Paulo, na rua Monsenhor Andrade, n° 24, no bairro do Brás. Era filho de um imigrante escocês, John Miller, e Carlota Alexandrina, uma brasileira filha de ingleses.
Quando tinha dez anos, viajou para a Inglaterra, enviado pelos pais para seguir seus estudos, na Banister Court School, localizada na cidade de Southampton. Na sua passagem pelo país inglês, Charles conheceu o futebol. E logo o novo aluno se notabilizou por ser um jogador hábil, atuando por dois clubes, o St. Mary’s (futuro Southampton) e o Corinthian Football Club (que inspirou, posteriormente, a fundação do Corinthians Paulista).
Pela rapidez com que jogava, Charles foi apelidado “Nipper” – gíria para moleque veloz, rápido.

Quando voltou ao Brasil e a São Paulo, em 1894, desembarcando no Porto de Santos, o paulistano trouxe da Inglaterra um livro de regras do futebol, duas bolas, uma bomba de ar para enchê-las, um par de chuteiras e duas camisas de times que defendeu. Charles ficou, então, conhecido como o principal pioneiro no advento do futebol no Brasil, ao trazer para o país as regras estabelecidas na Inglaterra.
Foi dele a ideia de organizar o primeiro jogo oficial entre dois times em solo brasileiro. A data: 14 de abril de 1895. O local: o campo do São Paulo Athletic Club, na Várzea do Carmo- Brás. O resultado: 4 a 2 para o São Paulo Railway. Mas o placar era o que menos importava, ele estava fazendo história.
Charles jogou futebol entre 1896 e 1912. Depois, seguiu no esporte, como árbitro – além de figurar em outras modalidades, como o críquete, Morreu em 30 de junho de 1953.
Uma das curiosidades sobre o jogo foi revelada em 1942, em entrevista para o jornalista Thomaz Mazzoni, da Gazeta Esportiva, Miller afirmou que havia bois no campo. “Ao chegar ao capinzal, a primeira tarefa que realizamos foi enxotar os bois da Companhia Viação Paulista, que tosavam a relva pacificamente. Alguns companheiro jogaram mesmo de calças compridas, por falta de uniforme adequado.”
Charles Miller também foi o artilheiro do primeiro campeonato disputado no Brasil, o Paulista de 1902, marcando dois gols em nove jogos, além de atuar como goleiro em doze partidas. Após pendurar as chuteiras em 1910, ele também se dedicou à arbitragem, atuando em vinte jogos. Em homenagem ao seu legado, a Praça Charles Miller, onde fica o Estádio do Pacaembu e o Museu do Futebol, leva seu nome e celebra sua contribuição histórica ao futebol brasileiro.

O Brasil do final do século XIX
Naquele fim de século, o Brasil ainda engatinhava na industrialização. A escravidão havia sido abolida apenas sete anos antes, e a República era recente. O futebol, inicialmente visto como um esporte da elite, demorou a se popularizar entre as classes trabalhadoras e a população negra, que precisou vencer décadas de preconceito e exclusão para ocupar os gramados.
Inicialmente praticado apenas pela alta sociedade, o esporte passou a ser adotado também por trabalhadores das fábricas. Os primeiros clubes formados por operários foram o Bangu, no Rio de Janeiro — ligado à Fábrica de Tecidos Bangu — e o Juventus, em São Paulo, fundado por funcionários da indústria Crespi.
Com o avanço da industrialização e a chegada de imigrantes que compunham a mão de obra estrangeira, o futebol se tornou ainda mais difundido, especialmente durante as décadas de 1920 e 1930. Nesse período, multiplicaram-se os clubes formados por trabalhadores de baixa renda e por imigrantes que atuavam nas fábricas.
Outro ponto fundamental para a história e disseminação do futebol foi a presença de jogadores negros nos clubes. Até os anos 1920, os times eram compostos majoritariamente por integrantes da elite ou por trabalhadores brancos. Pesquisas apontam que o primeiro time a aceitar jogadores negros foi o carioca Bangu, embora isso ocorresse de forma limitada.
Em São Paulo, a criação do Sport Club Corinthians Paulista, em 1910, marcou um momento importante. Fundado por trabalhadores do bairro do Bom Retiro — pintores, cocheiros e operários em geral —, o clube introduziu a ideia do “time do povo”, abrindo espaço para brancos e negros no futebol paulistano.
Com isso, os clubes periféricos, formados por jogadores fora da elite, começaram a se destacar por sua habilidade. Essa movimentação impulsionou um processo que levaria à profissionalização do futebol. A elite, que defendia a manutenção do amadorismo, via o futebol profissional como uma ameaça à exclusividade de sua prática esportiva. No entanto, o aumento de times formados por operários e a prática do “bicho” — recompensa paga por vitória — mostravam que o futebol já não era mais restrito às classes altas, como foi no final do século XIX.
Em 1916, foi criada a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que defendia a permanência do modelo amador. Mesmo assim, já havia campeonatos interestaduais e jogos contra clubes estrangeiros. Em 1919, o Brasil conquistou seu primeiro título internacional no Campeonato Sul-Americano, e participou da primeira Copa do Mundo em 1930.
Aos poucos, clubes operários e times de várzea foram surgindo em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais, democratizando o acesso ao jogo e transformando o futebol em ferramenta de inclusão e resistência social.
Somente em 1933 o futebol se tornou oficialmente uma profissão no Brasil, com a criação das Ligas Profissionais nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Nesse mesmo ano, foi realizado o primeiro campeonato profissional, vencido pelo Palestra Itália — nome anterior do atual Palmeiras.

Início dos negros no futebol brasileiro
Ano | Evento |
1900 | O ferroviário Miguel do Carmo, um dos fundadores da Ponte Preta-SP, é considerado o primeiro jogador negro do futebol brasileiro. |
1904 | Times populares são fundados em Salvador, entre eles, o Fluminense-BA e o 7 de Setembro, futuro Ypiranga-BA, conhecido como “clube dos estivadores”. |
1907 | Clubes e Ligas de várias capitais começaram a proibir a inscrição de jogadores negros nos campeonatos. Desde 1904, ligas suburbanas, populares ou negras vinham se formando no país. |
1920 | Foi fundada, no Rio Grande do Sul, a Liga Nacional de Foot-Ball Porto Alegrense, jocosamente chamada de “Liga da Canela Preta”. |
1921 | O presidente Epitácio Pessoa proibiu a convocação de jogadores negros para a disputa do Campeonato Sul-Americano, na Argentina. Um ano antes, atletas brasileiros foram chamados de “macaquitos” pela imprensa argentina. |
1922 | O time negro da Associação Atlética São Geraldo-SP foi campeão municipal de São Paulo no ano do centenário da Independência do Brasil. |
1924 | O Vasco da Gama-RJ recusou a proposta de excluir doze de seus jogadores para continuar na principal liga do Rio de Janeiro. O presidente vascaíno escreveu uma carta que ficou conhecida como “A resposta histórica”. No ano anterior, em sua estreia na Primeira Divisão, o campeão carioca contou com um time de negros, pobres, operários e analfabetos. |
1933 | No início oficial do futebol profissional no Rio de Janeiro, o Bangu-RJ sagrou-se campeão carioca da Primeira Divisão com um time cheio de negros. Mesmo com o profissionalismo, a discriminação racial não deu trégua. |
1938 | Na Copa da França, o atacante brasileiro Leônidas da Silva marcou sete gols, terminando como artilheiro e levando o apelido de “Diamante Negro”. Mesmo sendo ídolo, três anos depois, foi preso, denunciado pelo próprio clube por falsificar um atestado de reservista. |
Clubes pioneiros
Clube | Data de Fundação | Local |
---|---|---|
São Paulo Athletic Club | 13 de maio de 1888 (futebol a partir de 1896) | São Paulo, SP |
Associação Athletica Mackenzie College | 18 de agosto de 1898 | São Paulo, SP |
Sport Club Internacional | 19 de agosto de 1899 | São Paulo, SP |
Sport Club Germânia (atual Esporte Clube Pinheiros) | 7 de setembro de 1899 | São Paulo, SP |
Sport Club Savóia (atual Clube Atlético Votorantim) | 1º de janeiro de 1900 | Votorantim, SP |
Sport Club Rio Grande | 19 de julho de 1900 | Rio Grande, RS |
Associação Atlética Ponte Preta | 11 de agosto de 1900 | Campinas, SP |
Club Athletico Paulistano | 30 de novembro de 1900 | São Paulo, SP |
Rio Cricket and Athletic Association (atual Rio Cricket Associação Atlética) | 15 de agosto de 1897 (futebol a partir de 1901) | Niterói, RJ |
Rio Cricket Club (atual Paissandu Atlético Clube) | 15 de agosto de 1872 (futebol a partir de 1901) | Rio de Janeiro, RJ |
Club de Cricket Victoria (atual Esporte Clube Vitória) | 13 de maio de 1899 (futebol a partir de 1902) | Salvador, BA |
Esporte Clube 14 de Julho | 14 de julho de 1902 | Santana do Livramento, RS |
Fluminense Football Club | 21 de julho de 1902 | Rio de Janeiro, RJ |
Club Athletico Internacional | 7 de novembro de 1902 | Santos, SP |
Associação Athletica das Palmeiras | 9 de novembro de 1902 | São Paulo, SP |
Futebol como identidade nacional
Ao longo do século XX, o futebol deixou de ser apenas um esporte no Brasil para se transformar em um elemento central da identidade cultural do país. Com a profissionalização, vieram os grandes clubes, os estádios lotados e, principalmente, os ídolos que representavam o sonho do povo. Leônidas da Silva, Garrincha, Pelé e tantos outros marcaram época com seus dribles, gols e carisma. O futebol passou a simbolizar a alegria, a criatividade e a capacidade de superação do povo brasileiro.
O auge desse processo simbólico ocorreu em 1970, com a conquista do tricampeonato mundial no México. Liderada por Pelé, a Seleção encantou o mundo com um futebol ofensivo, habilidoso e envolvente. Mas a vitória em campo foi usada politicamente pela ditadura militar (1964-1985), que tentou associar o sucesso da Seleção ao suposto progresso do país. Frases como “Brasil: ame-o ou deixe-o” circularam enquanto a repressão e a censura ainda dominavam o cotidiano da população. A festa do tricampeonato, transmitida ao vivo para o mundo, serviu como ferramenta de propaganda do regime.

Mesmo com esse contexto político, o futebol seguiu sendo motivo de orgulho para os brasileiros. O país construiu uma das mais ricas histórias no esporte mundial.
A exclusão das mulheres dos gramados
Mas nem todos estavam incluídos nessa história. Durante décadas, o futebol feminino foi sistematicamente silenciado.
Em 1940, o time de mulheres do Primavera-RJ vinha fazendo muito sucesso , tinha até uma excursão programada para jogar fora do Brasil, feito ainda inédito.
O fato acabou causando uma caça contra Carlota Alves de Rezende, diretora da agremiação, acusada injustamente de “exploração sexual das jogadoras”.
Carlota foi presa e virou símbolo da perseguição ás futebolistas.
Em 1941, o regime de Getúlio Vargas, através do Conselho Nacional de Desportos, proibiu oficialmente a prática de futebol por mulheres, alegando que o esporte era “incompatível com a natureza feminina”.
A proibição durou até 1979 — e, na prática, até os anos 1980, quando surgiram as primeiras seleções oficiais. Foram anos de apagamento, desestímulo e resistência. Ainda hoje, o futebol feminino luta por espaço, visibilidade e investimento, enfrentando os ecos de uma história marcada por machismo e exclusão.
Conheça mais curiosidades sobre o futebol com a TVT News:
O Brasil é o maior campeão da história das Copas do Mundo, com cinco títulos:
- 🏆 1958 – Suécia
- 🏆 1962 – Chile
- 🏆 1970 – México
- 🏆 1994 – Estados Unidos
- 🏆 2002 – Coreia do Sul e Japão

Além disso, o Brasil é o único país a participar de todas as edições da Copa do Mundo Masculina desde 1930. Nenhuma outra nação conseguiu esse feito.
Seleção Feminina
O Brasil também tem presença marcante no futebol feminino, participando de todas as edições da Copa do Mundo Feminina desde a estreia do torneio, em 1991. Embora o título mundial ainda não tenha vindo, a Seleção Feminina tem histórico de grandes campanhas, com destaque para:
- 🥈 Vice-campeonato mundial em 2007
- 🥈 Medalhas de prata nos Jogos Olímpicos de 2004 (Atenas) e 2008 (Pequim)
- 🌟 Geração de jogadoras históricas, como Marta, Formiga e Cristiane, que ajudaram a consolidar o respeito internacional pela equipe.

Primeiro estádio do país
O Velódromo de São Paulo foi inaugurado em 15 de setembro de 1895. Financiada pela tradicional família Silva Prado, a primeira reforma aconteceu no ano seguinte, quando o local recebeu dois conjuntos de arquibancadas cobertas de madeira. Um campo de futebol foi adaptado no espaço interno da pista de ciclismo em 1900. O primeiro jogo de futebol ali aconteceu em 3 de junho daquele ano entre Internacional-SP e Germânia-SP). A Praça esportiva foi demolida no início de 1916.

Primeira torcida organizada
A primeira torcida organizada reconhecida no país é o Grêmio São-Paulino, criado em 1939 por Manoel Raymundo Paes de Almeida, que posteriormente se tornaria dirigente do clube. Pouco depois, o grupo mudou de nome para “Torcida Uniformizada do São Paulo (TUSP)”, que deu origem à atual Torcida Tricolor Independente.

Torcida de mulheres
A “Flu Mulher”, criada em 2006, no Rio de Janeiro, foi a primeira torcida organizada exclusivamente para mulheres do Brasil. A ideia partiu de Kaká Soares, torcedora apaixonada do Fluminense. Em 2009, surgiu em Porto Alegre a “Força Feminina Colorada”, criada por Jéssica Maciel, Patrícia Belém e mais outras quatro torcedoras do Internacional-RS.
Primeira torcida LGBTQIAPN+
Já existiam casos esparsos de torcidas formadas por pessoas LGBTQIAPN+, no Rio de Janeiro e Minas Gerais, na década de 70. A primeira torcida integrada do Brasil foi a “Coligay”, do Grêmio-RS, criada em 1977 pelo empresário gaúcho Volmar Santos. O nome da torcida vem de “coliseu”, nome da casa noturna de Volmar.

Democracia Corinthiana
Nos anos 1980, em meio à redemocratização do Brasil, o Corinthians viveu um momento único: os jogadores passaram a participar das decisões administrativas do clube, votando em conjunto com comissão técnica e dirigentes. Liderado por nomes como Sócrates, Casagrande, Zenon e Wladimir, o movimento ficou conhecido como “Democracia Corinthiana” e usava o futebol como forma de expressão política e social, defendendo valores como liberdade e participação popular.

Clássico Vovô
O clássico entre Botafogo e Fluminense é o mais antigo do futebol brasileiro. Por isso passou a ser chamado de “Clássico Vovô”. O primeiro ocorreu em 13 de maio de 1906, com goleada de 8×0 do Fluminense.