João Gomes e Metá Metá: projeto Tiny Desk Brasil tem arrancada genial

Tiny Desk Brasil, projeto consagrado no exterior, iniciou com potência. Já apelidado de "mesinha", João Gomes e Metá Metá surpreendem
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Metá Metá: Juçara Marçal, em seu canto de ferro e seda, conduz o ouvinte por territórios espirituais, urbanos e ancestrais. Foto: Divulgação

O Tiny Desk Brasil, versão nacional do consagrado projeto da NPR (National Public Radio), estreou com força e identidade, unindo universos musicais brasileiros. O primeiro episódio trouxe o forró moderno e emocional de João Gomes. Fenômeno pernambucano de voz grossa e melódica, a raiz acertada da curadoria fez com que o público já desse um nome “nosso” ao projeto: “mesinha”. Entenda na TVT News.

Após a estreia elogiada com João Gomes, pairou no ar a incerteza se seria possível manter o alto nível. Mas, novamente, o projeto surpreendeu e trouxe o ícone da música brasileira experimental do fim dos anos 2000, início dos anos 2010, Metá Metá em parceria inédita com Negro Leo. A sonoridade visceral da banda liderada pela voz grandiosa de Juçara Marçal, além de Kiko Dinucci e Thiago França, aproximou ainda mais o projeto do Brasil e das raízes africanas. O resultado é um começo arrebatador que projeta o programa como um dos novos espaços de prestígio e experimentação da música brasileira.

Sobre Negro Léo, a própria curadoria do evento explica sua contribuição luxuosa. “Negro Leo, nome artístico de Leonardo Campelo Gonçalves, é maranhense, criado no Rio de Janeiro e hoje radicado em São Paulo. Sua obra transita entre a canção e o experimento, passando da eletrônica ao bumba meu boi. Tem parcerias com Ava Rocha, Tulipa Ruiz e Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo.”

Os shows, lançados toda terça-feira, traduzem a proposta original do Tiny Desk: aproximar o artista do público em um ambiente íntimo, cru e honesto, onde a interpretação ganha mais peso que o aparato técnico. E a expectativa segue alta. Os novos nomes são divulgados apenas duas horas antes da apresentação ir ao ar.

O Tiny Desk

Criado em 2008 por Bob Boilen, o projeto nasceu quase por acaso, quando o músico folk Laura Gibson foi convidado a tocar no escritório da NPR — literalmente atrás da mesa de Boilen (“tiny desk”). A ideia virou fenômeno cultural: ao longo dos anos, apresentações históricas de artistas como Anderson Paak, Mac Miller, Taylor Swift, BTS e, mais recentemente, Bad Bunny — cuja performance foi celebrada como uma das mais intensas da história do projeto — consolidaram o Tiny Desk como um marco da música ao vivo no século XXI.

A NPR é uma estatal norte-americana, que valoriza a cultura latino-americana presente com força nos Estados Unidos e abre espaço para uma identidade cultural multipla do país, diferente do que pretende a extrema direita do presidente Donald Trup. Bad Bunny, por exemplo, fez uma apresentação falada toda em espanhol com seu sotaque portorriquenho, e não poupou criticas a saga anti-imigração de Trump (como é de costume do artista, uma das maiores vozes idependentes de Porto Rico e da América Latina).

Tiny Desk Brasil, a “mesinha”

O desafio de tropicalizar essa estética, sem perder sua alma documental, foi cumprido com vigor pelo “mesinha”. João Gomes, que abriu a série, apresentou-se em um registro diferente do habitual: menos arena, mais coração. Em formato reduzido, o pernambucano mostrou que seu forró eletrônico, seu piseiro, pode se despir da estrutura de festa e revelar uma musicalidade delicada e profunda.

A potência de sua voz — marcada por um timbre grave e emotivo — se encaixou naturalmente na proposta intimista, expondo o intérprete por trás do fenômeno de massas. João parece compreender que a força de um artista popular está também em saber se reinventar, e no Tiny Desk Brasil ele o faz com maturidade.

Se João Gomes representa o Brasil profundo, popular e erudito, das rádios e das multidões, o Metá Metá é o complemento ideal. O trio encarna o experimentalismo radical que alimenta a vanguarda da MPB e influencias de matrizes africanas.

Juçara Marçal, em seu canto de ferro e seda, conduz o ouvinte por territórios espirituais, urbanos e ancestrais; Kiko Dinucci reafirma-se como um dos grandes arquitetos sonoros da geração, misturando guitarras cortantes e influências afro-brasileiras; e Thiago França amplia o horizonte com seus sopros imprevisíveis, que evocam tanto o candomblé quanto o free jazz. O grupo transforma o espaço em ritual, convertendo o formato compacto em algo transcendental, um microcosmo do Brasil plural e conflituoso.

O Tiny Desk Brasil surge, assim, como uma vitrine da diversidade e da inventividade da música nacional contemporânea. É um convite à escuta atenta, ao mergulho, ao despojamento da performance e à celebração do som como linguagem essencial. A expectativa para os próximos episódios é alta: se a estreia já mostrou amplitude e coerência estética, o projeto tem tudo para se tornar uma referência internacional, não apenas como derivação, mas como reinvenção tropical de uma ideia global.

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