O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, nesta quarta-feira (13), a Medida Provisória que institui o Plano Brasil Soberano, pacote de medidas econômicas para enfrentar os impactos do aumento unilateral, em até 50%, das tarifas de importação sobre produtos brasileiros anunciado pelo governo dos Estados Unidos no fim de julho.
A iniciativa, que combina ações de apoio ao setor produtivo, proteção aos trabalhadores e diplomacia comercial, destina R$ 30 bilhões do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) para crédito com juros acessíveis, amplia linhas de financiamento, prorroga a suspensão de tributos para empresas exportadoras e eleva o percentual de restituição via Reintegra. Há ainda medidas para facilitar compras públicas de alimentos afetados pelas sobretaxas e modernizar garantias para operações de comércio exterior.
Lula destacou que a crise imposta pelo governo norte-americano não deve paralisar o Brasil, mas estimular a busca de novas oportunidades. “Não é hora de ficar chorando sobre aquilo que nós perdemos. Vamos procurar ganhar em outro lugar. O mundo é grande e está ávido para negociar com o Brasil. Todo mundo sabe que a gente não quer brigar com ninguém, que a gente faz concessões e que não merecíamos isso”, afirmou.
O presidente afirmou que não existem razões comerciais que justifiquem a medida. “Na questão comercial, é inadmissível alguém dizer que tem déficit com o Brasil, quando nos últimos 15 anos o superávit deles foi de 410 bilhões de dólares, se colocarmos bens e serviços. Não é pouca coisa”, argumentou.
Segundo Lula, o tarifaço faz parte de um jogo político e ideológico, e não de um debate econômico sério. “Estamos jogando fora uma relação de 201 anos de história. Veja que nós relevamos até o golpe de 1964 e o papel da embaixada americana aqui. Nós somos da paz. Mas agora a única coisa que precisamos exigir é que a nossa soberania seja intocável. Ninguém tem que dar palpite nas coisas que nós temos que fazer”, disse.
O presidente reforçou que o Brasil continuará defendendo o multilateralismo e buscando novas alianças comerciais. “Posso dizer para vocês que não tem um fundo comercial nisso. É uma necessidade muito grande de destruir uma coisa chamada multilateralismo. É um debate político com teor ideológico”, avaliou.
Três eixos de ação
O Plano Brasil Soberano foi construído a partir de 39 reuniões entre o Comitê Interministerial de Negociações e Contramedidas Econômicas e Comerciais e cerca de 400 representantes de empresas, federações de indústrias, governadores e setores afetados.
No eixo de fortalecimento do setor produtivo, estão previstas linhas de crédito com prioridade para empresas mais dependentes das exportações aos EUA, inclusive pequenas e médias, desde que mantenham o nível de empregos; prorrogação do prazo para exportações sob regime de drawback; diferimento de tributos federais para companhias mais atingidas; facilitação de compras públicas para apoiar produtores rurais e agroindústrias; ampliação das regras de garantia à exportação; e aportes adicionais em fundos garantidores como o FGCE, FGI e FGO.
No eixo de proteção ao trabalhador, será criada a Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego, que monitorará o nível de emprego nas empresas afetadas, fiscalizará acordos trabalhistas, promoverá negociação coletiva e poderá adotar mecanismos emergenciais como lay-off ou suspensão temporária de contratos, dentro da lei.
Já o eixo de diplomacia comercial e multilateralismo prevê a ampliação e diversificação de mercados para reduzir a dependência em relação aos EUA. Estão concluídas as negociações com União Europeia e EFTA; em andamento com Emirados Árabes Unidos e Canadá; e em diálogo com Índia e Vietnã. Desde o início do atual governo, 397 novos mercados foram abertos para produtos brasileiros.
Diálogo e firmeza
Lula afirmou que continuará buscando diálogo com Washington, mas não descarta endurecer a postura caso não haja reciprocidade. “Nós não queremos, num primeiro momento, fazer nada que justifique piorar a nossa relação. Estamos tentando aproximar, procurando parceiros. Já falei com Índia, China, Rússia, e vou falar com África do Sul, França e Alemanha. E junto aos Brics, vamos discutir como melhorar a relação entre os países afetados”, declarou.
O presidente também fez questão de lembrar que o Brasil não será substituído de forma passiva nos mercados internacionais. “Se os Estados Unidos não querem comprar, vamos procurar outro país. Vou para a Asean em outubro, e em janeiro vamos fazer um grande evento na Índia, levando pelo menos 500 empresários brasileiros”, disse.
Críticas à justificativa norte-americana
Lula rechaçou as acusações de que o Brasil não respeita direitos humanos ou que o Judiciário age de forma arbitrária. “Ninguém está desrespeitando regras de direitos humanos, como tentam apresentar. Porque os nossos amigos americanos, toda vez que resolvem brigar com alguém, tentam criar uma imagem de demônio contra as pessoas. Aqui no Brasil nós temos um Judiciário autônomo. Isso é democracia elevada à sua quinta potência, coisa que eu não tive quando fui julgado”, disse, lembrando que os julgamentos recentes têm base em provas e depoimentos de participantes da tentativa de golpe de 2022.
O presidente também ironizou o impacto econômico interno nos EUA. “Ontem vi no jornal que o quilo do contrafilé, nos Estados Unidos, está 150 dólares. Não sei que carne é essa, mas estava lá a tabela. Aqui no Brasil, a gente vai continuar assustando muita gente, porque vai continuar melhorando a produção”, afirmou.
Ao encerrar o discurso, Lula reforçou que o país seguirá fortalecendo sua economia e ampliando mercados, seja para exportação ou consumo interno. “Nós temos um mercado interno poderoso, e o que precisamos é explorar nosso potencial. Se outros não quiserem comprar, vamos vender aqui dentro. Nós não merecíamos isso, mas vamos transformar essa crise em oportunidade”, concluiu.