Lula: “Tudo no Brasil se resolve com diálogo. Temos que ser respeitados”

Comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos representa 1,7% do PIB, o que, segundo Lula, reforça a capacidade de o país buscar alternativas
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Lula afirmou que o Brasil “deve ser respeitado” e que "há coisas que um governo não pode admitir". Foto: Ricardo Stuckert/PR

Em pronunciamentos incisivos durante entrevistas ao Jornal da Record e ao Jornal Nacional nesta quinta-feira (10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o Brasil “deve ser respeitado” e que “há coisas que um governo não pode admitir”. Entenda na TVT News.

Lula se referiu à recente decisão de Donald Trump de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto. A medida foi formalizada por meio de carta enviada ao governo brasileiro no dia anterior. O comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos representa 1,7% do Produto Interno Bruto brasileiro, o que, segundo Lula, reforça a capacidade de o país buscar alternativas. “Não é essa coisa que a gente não pode sobreviver sem os Estados Unidos. Não é assim.”

“Vamos tentar fazer todo o processo de negociação. O Brasil gosta de negociar, não gosta de contencioso. E depois que se esgotarem as negociações, o Brasil vai aplicar a reciprocidade”, afirmou Lula, sinalizando disposição para o diálogo, mas também firmeza diante do que chamou de ingerência na soberania nacional.

Lula, diplomacia, política e economia

Lula anunciou a criação de uma comissão composta por representantes do governo federal e do setor empresarial para tratar do tema. A proposta visa repensar a política comercial com os Estados Unidos e avaliar estratégias que incluam a abertura de novos mercados. O presidente destacou setores mais atingidos, como suco de laranja, aço e a Embraer, e disse que se reunirá com os principais exportadores para avaliar impactos e definir ações.

Além disso, o Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) já estão em tratativas com o governo norte-americano desde a primeira rodada de tarifas, de 10%, aplicada no início da gestão Trump.

OMC e busca por aliados

Como parte da estratégia internacional, o presidente afirmou que o Brasil levará o caso à Organização Mundial do Comércio (OMC) e buscará alianças com países igualmente prejudicados por políticas tarifárias americanas. “Com a OMC, podemos encontrar países que foram taxados e, juntos, entrar com recursos. Há toda uma tramitação que a gente pode fazer”, explicou Lula.

Caso a negociação e a via multilateral fracassem, Lula reiterou que o governo poderá recorrer à Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional. “Se ele vai cobrar 50% de nossos produtos, vamos cobrar 50% dos produtos norte-americanos. E aí, espero que os empresários estejam aliados ao governo brasileiro”, declarou.

Sem justificativa

Lula também contestou a justificativa de Trump para a taxação. O republicano teria argumentado que os EUA mantêm um déficit comercial com o Brasil, o que o presidente brasileiro rebateu com dados. Segundo ele, o Brasil, na verdade, acumula déficit de US$ 410 bilhões com os EUA nos últimos 15 anos, incluindo comércio de bens e serviços. Em 2024, o saldo negativo para o Brasil foi de US$ 7 bilhões. “Será que a assessoria dele não tem sabedoria para explicar e evitar que ele faça uma afronta dessas?”, criticou.

Fortalecimento do BRICS

Em meio à crise comercial, Lula adiantou que o Brasil buscará novos parceiros econômicos. Em outubro, ele participará da cúpula da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático), com o objetivo de abrir mercados no continente asiático. “Se os Estados Unidos não querem comprar nossos produtos, vamos procurar países que queiram comprar”, disse.

O presidente também negou que as tarifas sejam uma retaliação à atuação brasileira no BRICS e ironizou a ausência de Trump em fóruns multilaterais como o G7. “É engraçado, porque como ele não estava no G7, três países do BRICS foram: Brasil, Índia e África do Sul. Qualquer dia vou mandar a chave ao Trump para ele participar dos BRICS. O que não pode é ele pensar que foi eleito para ser xerife do mundo”, alfinetou.

Lula também criticou declarações de Trump sobre a criação de uma moeda alternativa ao dólar para negociações entre países do Sul Global. “Ele chegou a dizer que se a gente criar uma moeda, ele vai punir os países. Eu não sou obrigado a comprar dólar para fazer relação comercial com outros países. Podemos negociar em nossas moedas. Ele tem que saber disso.”

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“É urgente insistir na diplomacia e refundar as estruturas de um verdadeiro multilateralismo, capaz de atender aos clamores de uma humanidade que teme pelo seu futuro”, afirma Lula.

O presidente brasileiro foi ainda mais contundente ao defender a autonomia do Judiciário diante das críticas de Trump a decisões que envolvem empresas de tecnologia dos EUA em território nacional. “Aqui, quem estabelece as regras é o Brasil. É o Congresso Nacional, é o Judiciário. Ele não pode dizer que o Brasil não pode fazer nada com as empresas que não respeitam a legislação brasileira. Aqui, respeita!”, afirmou.

Lula lamentou o tom adotado pelo presidente norte-americano e relembrou que o Brasil mantém uma relação diplomática de mais de dois séculos com os EUA. “Se ele conhecesse um pouquinho do Brasil, teria mais respeito. Eu me dei bem com Clinton, Bush, Obama e Biden. Com Trump, é diferente”, disse.

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