Há 61 anos, militares apoiados por setores empresariais, midiáticos e por forças internacionais ceifavam a democracia no Brasil. No dia 31 de março de 1964, com financiamento e apoio militar norte-americano, Humberto Castelo Branco assumia o governo provisório após derrubar o governo popular de João Goulart. A promessa era de convocar novas eleições, algo que não aconteceu até que o povo se reorganizasse pelas Diretas Já e retomassem a democracia e a institucionalidade em 1985. Veja a cobertura da TVT News sobre o aniversário do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil.
Fora um golpe de natureza classista, neoliberal, em nome da concentração do capital e da exploração. Jango propunha, ao ser derrubado, reformas de base, reforma agrária e outros avanços sociais, como o próprio 13º salário.
“Para dar um golpe, é preciso muito planejamento. Isso que aconteceu antes de 1964. os golpistas brasileiros, com ajuda americana, se prepararam para um golpe em um momento mais oportuno. Sabemos que esse momento viria a partir de março de 1964 quando Jango, em 1964, anuncia as reformas de base e oficializa sua intenção de fazer a reforma agrária. Para ser feita, precisaria de alteração na Constituição (…) quando ele assume que vai fazer a reforma, assume sua sentença de queda”, explica o professor da PUC-RS, historiador, jornalista e escritor, Juremir Machado da Silva.
Ecos do golpe
Como também explica o filósofo e professor da USP, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, o golpe de 1964 já era ensaiado desde a década de 1950. Um golpe que ainda ecoa na história e que, recentemente, extremistas alinhados Jair Bolsonaro (PL) tentaram repetir.
“O fato do Brasil não ter feito um bom trabalho de memória no passado, acaba abrindo espaço para repetição (…) Desta forma que o golpe de 1964, por não ter sido bem trabalhado, abriu espaço para certos nostálgicos apoiarem o governo passado que tentou um novo golpe de Estado. Agora estão sendo julgados em um trabalho inovador”, comentou o professor durante o debate “Do Golpe Militar de 64 ao 8 de janeiro de 2023: a necessidade de defender a democracia”, realizado hoje (31).

Ensaios de golpe
Alfredo Attié, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, doutor em Filosofia do Direito, falou sobre a natureza insistente da cultura de golpes no Brasil. “O golpe não é apenas um momento. É um processo. Passa por período de preparação e várias tentativas. Tivemos exatamente isso no Brasil a partir de atuações contra a democracia. Isso passou pelo Judiciário, da atividade antipolítica, sobretudo a partir da Operação Lava Jato como uma cultura de intervenção nociva da intervenção jurídica na política”, disse, lembrando da construção histórica do 8 de janeiro.
“Não podemos esquecer também o julgamento injusto e inconstitucional contra Lula. isso acabou entrando como ingrediente para preparação desta tentativa de golpe que assistimos”, completou.
O professor Renato acrescenta momentos à essa cronologia golpista recente. “Recentemente, tivemos várias tentativas durante o governo bolsonarista. Vários comícios, várias ameaças. Ameaça de não cumprir decisões judiciais, de não deixar haver eleições. E finalmente tivemos uma sucessão de tentativas entre a eleição e o novo mandato. No dia 12 de dezembro, na diplomação dos candidatos eleitos, no dia 24 de dezembro, tentativa de explodir o Aeroporto de Brasília e, finalmente, uma tentativa de golpe mesmo, fracassado, no dia 8 de janeiro de 2023.”
Ensaios pretéritos
E assim também foi com o golpe de 1964, como completa o professor. “Em 1954 a crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas. O golpe só parou porque Getúlio sacrificou sua própria vida. Essa história que temos que lembrar. Esses ensaios continuaram”, disse.
“Em 1955, Carlos Lacerda e, talvez o pior vice-presidente da história, Café Filho, tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitschek. O general Lott, um homem de direita, barrou essas tentativas. Houveram tentativas durante o governo JK. Depois disso, quando Jânio Quadros renunciou o Poder em uma tentativa de golpe para ter plenos poderes, tivemos a Operação Mosquito que pretendia derrubar o avião do presidente ainda não empossado João Goulart. Finalmente, em 1964, o golpe funcionou”, completou.
Alerta à juventude
A presidenta da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Conciani Nader, fez um apelo aos jovens para que prestem atenção na história com finalidade de parar com este ciclo de violência e golpes. “Uma coisa que me preocupa muito é que, todos os dias, mas dia 31 de março, defensores do Estado de Direito, da democracia, das liberdades, da soberania, temos que trazer as reflexões para evitar que jovens façam o que fizeram em um passado recente. Volta da ditadura e prisão dos eleitos”, disse.
“Atos Institucionais desde 1964 cassaram mandatos, direitos políticos, instituíram bipartidarismo sendo que a oposição não podia existir. Então o AI-5, de 1968, fechou o Congresso, censurou a imprensa e fez prisões arbitrárias. Instituiu a censura à Cultura. Falam em milagre econômico. Mas, estudando a fundo, tivemos crise e arrocho. Então, com as diretas em 1984 voltamos à democracia”, disse.
Por fim, Helena destacou a tentativa de sequestro das instituições pelo bolsonarismo e pede para que vozes sensatas e democráticas se levantem. “Achava que isso estava no passado. Mas tivemos um desgoverno e todos puderam ver as tentativas. O 8 de janeiro é um ataque às instituições, ao Estado Democrático de Direito. É muito importante falar novamente que ditadura nunca mais.”
Papel da institucionalidade
Janine Ribeiro desmonta argumentos de bolsonaristas de que não haveria crime, já que não houve golpe. Contudo, o Código Penal é claro ao tipificar a tentativa como crime formal, ou seja, independente do resultado naturalístico. “Tentativa de golpe é crime. Golpe consumado barra responsabilização. Entendemos que neste momento o STF, de forma inédita e positiva se debruça sobre criminosos e crimes, é importante termos essa discussão”, disse.
Essa análise e julgamento pelo Judiciário também serve como forma de redimir um passado recente problemático, como explica o desembargador Attié. “Agora, o Judiciário se apresenta como uma redenção de seu papel anterior na história recente em relação à adesão que o Direito, a Constituição e a Justiça devem ter com a democracia”, disse.
Por fim, fica a mensagem da superação do ciclo e da cultura antidemocrática. “A cultura de golpes se trata de cultura voltada a destruir a capacidade política de construir uma sociedade efetivamente justa, democrática, igualitária, de liberdade e solidariedade. Há sempre mecanismos que corroem a capacidade política de construir uma sociedade mais justa. Esse deveria ser o objetivo de toda sociedade política”, afimou Attié.
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