Milei aposta em servidão da Argentina aos EUA para salvar governo

Entre escândalos de corrupção e tentativas de sustentar uma economia frágil, Milei aposta em colocar os argentinos nas mãos dos EUA e do FMI
governo-milei-congresso-corrupcao-tvt-news-foto-ciaran-mccrickard
Com a popularidade em queda e a economia à beira do colapso, o ultraliberal Milei recorreu aos Estados Unidos em busca de apoio Foto: Ciaran McCrickard/WEF

Em meio a uma das fases mais delicadas de seu governo, o presidente da Argentina, Javier Milei, corre contra o tempo para estabilizar a economia antes das eleições legislativas de 26 de outubro. Entre escândalos de corrupção e tentativas de sustentar uma economia frágil, Milei aposta em colocar os argentinos nas mãos dos EUA e do FMI. Entenda na TVT News.

Com a popularidade em queda e a economia à beira do colapso, o ultraliberal Milei recorreu aos Estados Unidos em busca de apoio, e foi atendido com entusiasmo por Donald Trump, que o presenteou com elogios públicos, promessas de ajuda e até um gesto insólito: a versão impressa de uma postagem na sua rede Truth Social, entregue em mãos durante a Assembleia Geral da ONU.

“Bom, por aqui na Argentina, depois dos festejos por parte do governo de Javier Milei, com o presidente Trump o parabenizando e dizendo que ele é o campeão da liberdade, da democracia, da economia e de tudo o que existe no universo, e ainda lhe presenteando com o tuíte impresso que, como dissemos ontem, ele apresentou como se fosse um diploma de conclusão do ensino médio, começa a chegar a realidade”, disse o jornalista argentino Fabián Restivo, correspondente em Buenos Aires da Telesur, parceira da TVT.

Milei: crise fiscal, inflação e dependência externa

A “realidade” a que Restivo se refere é uma combinação explosiva: inflação acima de 120%, reservas internacionais quase esgotadas, aumento da pobreza extrema e desconfiança dos mercados. A tentativa de conter a fuga de capitais por meio de um câmbio artificialmente controlado resultou no uso de mais de US$ 1 bilhão em reservas em apenas três dias, sem sucesso duradouro. O risco-país disparou de 800 para 1.500 pontos em poucos dias.

“Todo o restante, compra de bônus, de títulos, operações de mercado, hoje ficou claro na letra miúda do acordo: tudo está condicionado à vitória de Javier Milei nas eleições de outubro. Ou seja, que seus candidatos a deputados e senadores vençam em outubro. Considerando que, de dez eleições, ele perdeu oito, incluindo na província mais populosa da Argentina, Buenos Aires, isso está bastante difícil”, apontou Restivo.

A derrota de Milei nas eleições regionais de Buenos Aires em setembro, por mais de 14 pontos de diferença, destruiu a imagem de invulnerabilidade do governo. O libertário, que até então parecia imune aos custos políticos de seu brutal ajuste fiscal, viu emergir uma nova correlação de forças. A oposição peronista mostrou capacidade de organização e voltou a se apresentar como alternativa.

O resgate de Washington

Diante desse cenário, o apoio de Trump veio como um respiro. O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, anunciou que “todas as opções estão sobre a mesa” para ajudar a Argentina, incluindo uma linha de swap cambial de US$ 20 bilhões, compra de dívida e apoio emergencial via Fundo de Estabilização do Tesouro. O gesto lembrou o resgate de Bill Clinton ao México em 1994, mas desta vez com um claro viés geopolítico: manter a Argentina no campo de influência dos EUA e afastá-la da China.

“O swap de 20 bilhões de dólares que explicávamos ontem é em troca de que a Argentina se retire do swap com a China, reforçando aquilo que Claver-Carone disse não faz muito tempo: que seria imprescindível, para qualquer tipo de negociação, que a Argentina deixasse de ter relações com a China, porque essa relação seria extorsiva”, explicou Restivo.

A ajuda não veio sem contrapartidas. Segundo analistas, Washington exigiu que Buenos Aires se afastasse de acordos estratégicos com Pequim, inclusive renunciando ao swap cambial em yuanes. A condição é sensível: a China é atualmente o principal parceiro comercial da Argentina. “Então é isso: o swap, sim, mas com a condição de que a Argentina se afaste da China, o que é um problema grave, já que a China é o parceiro comercial mais importante da Argentina, ao contrário dos Estados Unidos da América do Norte”, continuou Restivo.

Além disso, medidas internas foram revertidas por pressão do FMI, que também é liderado politicamente pelos EUA. Na tentativa de acelerar a entrada de dólares, Milei havia suspendido temporariamente os impostos sobre exportações do agronegócio, o que gerou um aumento imediato nas vendas e arrecadação de US$ 7 bilhões. Mas, logo depois, o FMI interveio.

“Hoje pela manhã o Fundo Monetário Internacional, ou melhor dizendo, Claver-Carone, o representante dos Estados Unidos, disse: ‘tem que voltar com as retenções, tem que voltar com os impostos, senão não haverá arrecadação’. Mal terminou de falar em arrecadação, o governo já havia restabelecido os impostos sobre o setor agropecuário”, relatou o correspondente.

Milei na ONU: elogios a Trump e críticas à ONU

Na tribuna da ONU, Milei fez um discurso curto e apagado, bem diferente do tom triunfante de 2024. Usou os sete minutos para elogiar Trump, criticar a ONU e atacar a esquerda global. “Trump evitou uma catástrofe nos Estados Unidos”, afirmou, em uma tentativa de colar sua imagem à do republicano. Nas redes sociais, no entanto, o momento mais comentado foi o constrangimento ao receber um tuíte impresso como presente.

Internautas reagiram com ironia. “Milei foi aos EUA buscar dinheiro e lhe deram um tuíte impresso”, publicou um usuário. Outro escreveu: “O momento exato em que um país perde a soberania e a DIGNIDADE”. Um terceiro ironizou: “Chamá-lo de patético seria gentil.”

Apesar da ajuda dos EUA, a situação política de Milei continua frágil. O desgaste social é visível nas ruas e nas pesquisas. Sua base popular se reduziu aos setores mais ricos, enquanto perdeu força nos bairros populares que o apoiaram em 2023. As universidades, os profissionais da saúde, os aposentados e pessoas com deficiência têm protestado contra os cortes orçamentários.

Diante disso, Milei adotou um tom mais moderado no anúncio do orçamento de 2026, feito em rede nacional. Falou em trabalhar com legisladores e governadores e anunciou (ainda que de forma contábil duvidosa) reforços para áreas sociais. O discurso sinalizou o reconhecimento de que a retórica autoritária já não sustenta mais seu governo.

O que está em jogo

A ajuda dos EUA, por ora, estancou a sangria do mercado e deu a Milei algum fôlego político. Mas o custo geopolítico pode ser alto. Além da ruptura com a China, fala-se nos bastidores sobre exigências como privatizações forçadas, concessão de áreas estratégicas e até a instalação de uma base militar dos EUA na Terra do Fogo.

“Vamos ver o que mais os Estados Unidos vão impor de resposta imediata ao presidente Javier Milei. Certamente vamos acompanhando nos próximos dias. É isso o que temos por agora. Seguimos”, concluiu Restivo.

Assuntos Relacionados