A 9ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) acabou ontem (9), em Tegucigalpa, capital hondurenha. O encontro terminou com a divulgação de uma declaração conjunta marcada por dissidências de três países-membros: Argentina, Nicarágua e Paraguai. Entenda na TVT News.
Embora a maior parte dos 33 países do bloco tenha endossado os termos do documento, os três governos optaram por não assinar a declaração final. No rodapé do texto, a Celac reconhece que a declaração “foi contestada pelas delegações” dos três países “por diferentes razões”, ressaltando que os demais membros “respeitam e reconhecem” essas posições divergentes.
Discórdia na Celac
O principal ponto de discórdia da Argentina está no item 2 da declaração, que reafirma a América Latina e o Caribe como uma “Zona de Paz” e, em seu trecho final, condena “a imposição de medidas coercitivas unilaterais, contrárias ao Direito Internacional, incluindo aquelas que restringem o comércio internacional”.
Trata-se de uma postura defendida abertamente por Lula na Celac, em nome das relações multilaterais, do livre-comércio, da soberania, da autodeterminação e do desenvolvimento conjunto dos povos.
Embora o texto não cite diretamente os Estados Unidos ou seu presidente de extrema direita, Donald Trump, o trecho foi interpretado como uma crítica às políticas protecionistas adotadas por Washington. O governo de Javier Milei, alinhado politicamente a Trump, se opôs à inclusão da frase.
Ironicamente, a economia da Argentina vem sofrendo com as medidas unilaterais, com a guerra tarifária de Trump contra o mundo que taxou, inclusive, o país de seu fiel seguidor Milei.
Mais dissidências na Celac
A Argentina e o Paraguai também se opuseram ao ponto 3 da declaração, que defende que o cargo de secretário-geral da ONU seja, no futuro, ocupado por um cidadão latino-americano ou caribenho, sublinhando ainda que nunca houve uma mulher no posto.
O Paraguai propôs que o texto incluísse a expressão “com base na idoneidade” — uma tentativa de enfatizar critérios técnicos em vez de identidade regional ou de gênero. Já a Argentina discordou da menção explícita ao fato de uma mulher nunca ter ocupado o cargo.
Além disso, o Paraguai também sugeriu alteração no item 7 da declaração, que menciona a “igualdade de gênero” como uma das prioridades da próxima Presidência Pro Tempore da Celac, a ser assumida pela Colômbia no período 2025-2026. O governo paraguaio preferia a formulação “igualdade entre mulheres e homens”, por considerar o termo mais preciso.
Colômbia assume liderança da Celac
Apesar das divergências pontuais, a cúpula foi marcada por consenso em diversos temas, especialmente no que se refere às diretrizes para os próximos anos. A Colômbia foi oficialmente acolhida como a nova Presidência Pro Tempore da Celac, e apresentou uma agenda ambiciosa com foco em áreas como transição energética, mobilidade humana, segurança alimentar, inovação tecnológica, conectividade e igualdade de gênero.
A declaração também reafirma o compromisso do bloco com a estabilidade do Haiti e o apoio coordenado à reconstrução institucional e social do país, em parceria com a comunidade internacional e a ONU.
Mesmo com as ausências de assinatura, a cúpula foi considerada por diplomatas como um reflexo da pluralidade política da região e da capacidade da Celac de manter espaços de diálogo em meio a visões divergentes.

Confira a íntegra da Declaração de Tegucigalpa
PROJETO DE DECLARAÇÃO DE TEGUCIGALPA
COMUNIDADE DE ESTADOS LATINO-AMERICANOS E CARIBENHOS
IX Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da CELAC
Tegucigalpa, 9 de abril de 2025
As Chefes e os Chefes de Estado e de Governo e os altos representantes da CELAC,
reunidos na cidade de Tegucigalpa, no âmbito da IX Cúpula de Chefes de Estado e de
Governo e diante dos desafios atuais da região, declaram:
- Reiterar seu compromisso com o fortalecimento da CELAC como o mecanismo
de concertação política que integra todos os países da região e que se baseia no
acervo das declarações adotadas em cúpulas anteriores. - Ressaltar a plena vigência da Proclamação da América Latina e do Caribe como
Zona de Paz, sustentada na promoção e respeito aos propósitos e princípios da
Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional, na cooperação internacional,
na democracia e no Estado de Direito, no multilateralismo, na proteção e
promoção de todos os direitos humanos, no respeito à autodeterminação dos
povos, na não ingerência nos assuntos internos, na soberania e na integridade
territorial. Da mesma forma, rechaçar a imposição de medidas coercitivas
unilaterais, contrárias ao Direito Internacional, incluindo aquelas que restringem
o comércio internacional. - Afirmar sua convicção comum de que é oportuno e adequado que uma pessoa
nacional de um Estado da América Latina e do Caribe ocupe a Secretaria-Geral
da Organização das Nações Unidas, considerando que, dos nove SecretáriosGerais que a ONU teve até o momento, apenas vinham de um Estado da região e
recordando que o cargo nunca foi ocupado por uma mulher. - Sublinhar a importância de articular intervenções conjuntas da CELAC nos
fóruns multilaterais sobre temas de interesse comum. - Expressar seu reconhecimento à República de Honduras pelo trabalho realizado
na qualidade de Presidência Pro Tempore (PPT) da CELAC, destacando a
realização de reuniões de alto nível para compartilhar esforços e experiências em
matéria de segurança alimentar, educação, energia, telecomunicações e
tecnologia e inovação. - Reafirmar sua vontade de continuar o diálogo político para aprofundar os laços
de cooperação da CELAC com outros países e grupos regionais, reconhecendo
os avanços alcançados durante as reuniões convocadas pela PPT de Honduras à
margem do 79º período de sessões da Assembleia Geral das Nações Unidas. - Dar boas-vindas à República da Colômbia como PPT do mecanismo (2025-2026)
e reconhecer as prioridades por ela identificadas para o trabalho da CELAC,
principalmente em relação a: energia (transição energética e interconexão);
mobilidade humana; saúde e autossuficiência sanitária; segurança alimentar;
meio ambiente e mudança climática; povos indígenas e afrodescendentes;
ciência, tecnologia e inovação; conectividade e infraestrutura; fortalecimento do
comércio e investimento; crime organizado transnacional; educação; igualdade
de gênero, entre outros. - Referendar seu firme apoio à estabilidade da República do Haiti e a contribuir de
forma decidida, conforme as capacidades de cada país, para apoiá-la em seus
esforços, junto à comunidade internacional e às Nações Unidas, para restabelecer
um ambiente de segurança humana que permita a normalização da situação
política, econômica e social, com u, enfoque integral de desenvolvimento.