Misoginia na prova da FGV, em Macaé

Prova do concurso público de Macaé, no Norte Fluminense, foi anulada por causa de conteúdos machistas e misóginos
Concurso é para vagas de docentes em Macaé

Qual a função de um concurso público? Quando um edital é preparado, ele está buscando que perfil de profissional? As questões de uma prova, conseguem desenhar o tipo de profissional que será contratado para aquele município, para aquele estado, para aquele órgão público? O que dizer, então, do concurso que aconteceu no dia 13 de outubro no município de Macaé?

A prova foi para a seleção de professores e professoras e apresentou uma série de questões carregadas de misoginia, além de preconceitos que reforçam um estereótipo de mulher antiquado, retrógrado e inaceitável em pleno século XXI.

É preciso que haja uma investigação, para entender como uma instituição tão séria e respeitada tenha deixado passar questões como essas a seguir. Inclusive, para que futuramente não sejam apresentadas provas como essa para qualquer certame.

A mais agressiva de todas as questões certamente é a que no enunciado diz:

Módulo “conhecimentos básicos da língua portuguesa”

“Assinale a frase que não contém uma crítica ao fato de a mulher falar demais”

Respostas:

  • Há mulheres que quando mentem, dizem a verdade.
  • A língua é a última coisa que morre em uma mulher.
  • Há mil invenções para fazer as mulheres falarem, e nem uma só para as fazer calar.
  • A língua da mulher não cala nem depois de cortada.
  • Gosto de mulheres jovens, suas histórias são menores.

Imagina se uma de nós está fazendo participando do concurso e se depara com uma questão dessas. Revolta? Repulsa? Como conter a indignação e seguir fazendo uma prova tão importante, uma vez que o objetivo maior é passar no concurso e lecionar na rede municipal?

Além da questão anterior, outras seguiram reforçando estereótipos que passam uma ideia errônea sobre as mulheres, como a próxima.

“As frases a seguir mostram uma comparação. Assinale àquela em que a comparação é explicada.

  • As mullheres são como robôs: têm no cérebro uma célula a menos e, no coração, uma célula a mais.
  • A mulher é como um defeito da natureza.”

Que tipo de profissional se espera selecionar com perguntas como essas?

Infelizmente, não pararam por aí as questões que desrespeitam as mulheres, como no exemplo abaixo, que nos objetifica.

Assinale a frase que mostra um jogo de palavras em sua construção.

Uma das respostas

  • Há dois tipos de esposas: a que arruma a casa e a que se arruma.

Já seria inaceitável para qualquer concurso, mas a FGV e a prefeitura de Macaé foram ainda mais longe: passaram uma prova com questões misóginas para pessoas que vão lecionar.

A prova não desvalorizava apenas nós mulheres, mas a própria profissão de professor(a). Certamente todo profissional da educação luta pela valorização do magistério. Imagine a frustração ao se deparar com isso:

As frases a seguir mostram um termo na forma diminutiva. Assinale a frase em que esse diminutivo tem o valor de intensidade.

Uma das respostas

  • O melhor método de educação para uma criancinha é arranjar-lhe uma boa mãe.

Segundo publicação na página do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a respeito de como são elaboradas as questões dos concursos, “as provas buscam não apenas aferir o conhecimento individual, mas também permitir que a administração selecione àqueles que se mostrarem mais qualificados para assumir determinada função pública”.

Na mesma publicação, o STJ enfatiza que, pelo grau de relevância e em respeito ao princípio da isonomia, “a prova não pode ser realizada de forma livre e indiscriminada pela banca examinadora, devendo seguir, em especial, as regras e o conteúdo previstos no edital do concurso”.

Se a prova é construída por diversas pessoas e deve seguir o edital, a situação é ainda mais grave. Como questões como essas poderiam ter passado pelo crivo da banca examinadora da FGV? Será que passaram? São questionamentos que só podem ser respondidos pela instituição.

Diante disso, é fundamental que haja uma investigação sobre como esta prova foi construída, inclusive para que não exista a possibilidade de mais provas com este tipo de conteúdo misógino ou com outros preconceitos sejam colocadas nem em concursos públicos nem nas salas de aula.

A nossa luta é todo dia.

Nós, mulheres, não somos mercadoria. Precisamos fazer com que essas denúncias cheguem às autoridades competentes, para que tomem alguma providência sobre este concurso. Não podemos seguir caladas diante de tantos desrespeitos que sofremos diariamente. Precisamos construir uma sociedade onde todas sejamos respeitadas e a indignação diante da banalização destes desrespeitos diários faz parte dessa construção.

Por Duda Quiroga e Maíra Santafé*

*Duda Quiroga é professora, psicopedagoga e membro da Executiva Nacional da CUT (dirigente do SinproRio, Sepe e CNTE). Maíra Santafé é jornalista.

Assuntos Relacionados