O Rio de Janeiro amanheceu hoje (29) sob o impacto de um dos episódios mais letais da história recente da segurança pública brasileira. Segundo a Defensoria Pública do Estado, já são 132 mortos após a chamada Operação Contenção, realizada nos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte da capital fluminense.
O número inclui 128 civis e quatro policiais. O total de mortes ultrapassa a chacina do Carandiru, em 1992. Governo do Rio fala em 119 mortos. Nas palavras do governador e de secretários do Rio, “115 narcoterroristas” e 4 policiais. Entenda na TVT News.
Durante a madrugada, moradores e ativistas relataram que mais de 60 corpos foram retirados por populares de uma região de mata no Complexo da Penha, acumulando-se em uma longa fila de cadáveres cobertos por lonas na Praça da Penha, ao amanhecer. O balanço oficial do governo, no entanto, permanece em 64 mortos, número divulgado ainda na terça-feira (28), quando a operação foi dada como encerrada.
Operação no RJ
A Operação Contenção mobilizou cerca de 2.500 agentes das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SESP) e o governo estadual, o objetivo era combater a expansão territorial do Comando Vermelho (CV) e cumprir 100 mandados de prisão contra lideranças e integrantes da facção. Parte dos alvos seria de outros estados, especialmente do Pará.
A ação foi resultado de mais de um ano de investigação conduzida pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). No entanto, relatos de execuções sumárias, torturas e desaparecimentos começaram a circular ainda na tarde de terça-feira, conforme os confrontos se intensificavam nas comunidades da Penha e do Alemão.
“Sucesso”, diz o governador do RJ
Mesmo diante do número crescente de mortos, o governador Cláudio Castro (PL-RJ) classificou a operação como um “sucesso”. “Temos muita tranquilidade de defendermos tudo que fizemos ontem”, afirmou. “De vítima, ontem lá, só tivemos esses policiais”, disse, em referência aos quatro agentes mortos.
Castro justificou a morte dos demais 58 — número oficial do governo — com o argumento de que os confrontos ocorreram em área de mata. “Não acredito que havia alguém passeando em área de mata em um dia de operação”, afirmou.
O governador, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi alvo de forte reação pública. Para críticos, suas declarações revelam indiferença diante do massacre e reforçam uma política de segurança centrada no extermínio de jovens e moradores de favelas.

Castro também não esclareceu a discrepância entre os 64 mortos informados na terça e os mais de 130 corpos contabilizados pela Defensoria Pública nesta quarta. Em resposta, afirmou que o governo só contabiliza óbitos após a entrada dos corpos no Instituto Médico-Legal (IML): “Daqui a pouco vira uma guerra de número. Nós não vamos trabalhar assim.”
Verdadeiro fracasso
A repercussão foi imediata. Em redes sociais, políticos e ativistas denunciaram o que chamam de “chacina de Estado”. A deputada Erika Hilton (Psol-SP), fez um histórico do fracasso. “O Rio de Janeiro vive uma das maiores chacinas da história recente: mais de 120 mortos, superando o Carandiru. O governador Cláudio Castro transforma a praça pública em necrotério e faz da morte um palanque, tentando recuperar popularidade com sangue”, disse.
“Em vez de sufocar o crime com inteligência onde ele se organiza e lucra nas zonas nobres, nos paraísos fiscais e nos gabinetes dos criminosos, milicianos de colarinho branco, o Estado escolhe matar sem critério nas favelas, entre quem já sofre com a pobreza, o desemprego e a ausência de politicas de estado para além de um projeto falido de massacre, que governa o Rio há mais de 20 anos. É um projeto de poder construído sobre corpos negros e periféricos”, completou.
Por fim, Erika deixa claro que “o que acontece no Rio não é uma tragédia, é uma escolha. Uma política de extermínio fantasiada de segurança pública, que transforma o medo em método e a morte em discurso. O país precisa reagir e cobrar responsabilização de quem tornou essa violência brutal em política de Estado”.
Já vereador de Belo Horizonte Pedro Rousseff (PT) escreveu: “O governador bolsonarista Cláudio Castro é 100% responsável pela guerra que o Rio de Janeiro sofre hoje. Ele foi contra a PEC da Segurança que o presidente Lula enviou ao Congresso e mentiu ao dizer que o governo federal recusou ajuda. Hipócrita e mentiroso.”
Organizações de direitos humanos apontam indícios de tortura e execuções. Vídeos e fotos que circulam entre moradores mostram corpos com sinais de tiros à queima-roupa e marcas de espancamento.
Os corpos chegaram ao IML.
— Biazita Gomes (@BiazitaGomes) October 29, 2025
Estamos falando de pessoas que foram executadas sumariamente e tiveram seus corpos abandonados na mata.
Cláudio castro cometeu crime contra a humanidade ( sim, as execuções feitas pelo estado, por ordem dele se enquadra dentro do crime) e deve ser… pic.twitter.com/CymHuVEaI1
A maior tragédia policial da história do Rio
Com o número de mortos já ultrapassando 130, a Operação Contenção se torna a ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro — superando inclusive a chacina do Jacarezinho, em 2021, que deixou 28 mortos.
A Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado pediram investigação independente e urgente sobre as circunstâncias das mortes. Até o momento, nenhum relatório oficial detalhando as vítimas foi divulgado.
Enquanto corpos continuam sendo identificados e famílias buscam desaparecidos, o governo do Estado insiste em celebrar a operação como “exitosa”. Na Penha, porém, a palavra mais ouvida entre moradores é luto.
O que foi o Massacre do Carandiru
O Massacre do Carandiru foi uma das mais graves violações de direitos humanos da história recente do Brasil. O episódio ocorreu em 2 de outubro de 1992, dentro da Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, quando uma rebelião de presos no Pavilhão 9 foi contida de forma violenta pela Polícia Militar. A ação resultou na morte de 111 detentos, todos desarmados, segundo investigações posteriores.

A operação foi comandada pelo então coronel da PM Ubiratan Guimarães e se tornou símbolo da violência institucional e da desumanização da população carcerária. Nenhum policial morreu durante a ação, o que levantou suspeitas de execuções sumárias. O episódio ganhou repercussão nacional e internacional, expondo a precariedade do sistema prisional brasileiro e a ausência de políticas públicas voltadas à reintegração social dos presos.
Apesar de diversos julgamentos e apelações, o caso ficou marcado pela impunidade e pela lentidão da Justiça. O massacre também inspirou debates, livros e filmes — entre eles Estação Carandiru, de Drauzio Varella — e permanece como um lembrete trágico da necessidade de garantir direitos humanos e dignidade para todas as pessoas, mesmo em situação de privação de liberdade.
