Na última terça-feira (05), a deputada Carol Dartora (PT-PR) denunciou no plenário da Câmara que está sendo vítima de “terrorismo racial”. Ela informou que tem recebido sucessivas mensagens racistas e ameaças de morte desde o dia 14 de outubro, além de agressões de gênero — outras mulheres na política relatam casos parecidos. Ao relatar o sofrimento enfrentado diariamente nas redes sociais, a parlamentar foi aplaudida, em uma aparente demonstração de apoio.
A cena, no entanto, revela um lado preocupante da política brasileira, que apresenta em um único ano, dezenas de projetos de defesa dos direitos das mulheres e aumenta a punição para os seus agressores, mas protagoniza inerte a matança dessas mesmas mulheres diariamente em todo o país, e não interrompe a fala de parlamentares com frases agressivas e preconceituosas contra essas mesmas mulheres.
Em 2019, chegou ao fim a saga Millennium, um clássico da literatura sueca que foi adaptado para o cinema e quadrinhos. Ao longo de seis livros, Stieg Larsson, jornalista investigativo, fez duras críticas ao machismo estrutural e a violência contra a mulher. O primeiro livro, “Os homens que não amam as mulheres”, mostrou com riqueza de detalhes como as mulheres são destratadas, violentadas, e mortas em uma sociedade tida como moderna e democrática.
Crimes sexuais em família, sequestros, planos para calar a imprensa, investigações policiais suspeitas e mortes misteriosas deram o tom aos livros que pouco ou nada diferem da realidade. Stieg não viveu para presenciar o sucesso da sua obra, mas assistiu de perto a rotina da sociedade que serviu como fonte de inspiração para cada uma das histórias.
No Brasil, assim como na Suécia descrita por Stieg Larsson, a deputada Carol não é a única parlamentar ou mulher na política, a ser ameaçada dentro ou fora do ambiente de trabalho. Mais de 60% das prefeitas e vices afirmam já ter sofrido algum tipo de violência política de gênero durante a campanha ou o mandato. O dado é de uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), em parceria com o Movimento Mulheres Municipalistas (MMM), que ouviu 224 prefeitas, em um universo de 677, e 210 vice-prefeitas.
O levantamento foi feito entre agosto e outubro de 2024 e revela a realidade desgastante e violenta enfrentada por mulheres na vida pública em todo o país. Dartora considera as ameaças uma tentativa calculada de mantê-la em estado de medo constante e afastá-la da vida pública. “Essa violência é uma arma que sustenta o racismo estrutural, buscando manter pessoas negras, indígenas e outras minorias sob submissão.”
Apesar da denúncia feita pela deputada, ser mulher na Câmara dos Deputados continua sendo uma tarefa árdua. O exemplo vem de cima e se propaga como efeito manada. Cenas de microfones sendo desligados para impedir que deputadas falem, gritos e ofensas destinadas a elas ocorrem com frequência avassaladora, passando uma mensagem que ecoa entre homens e, infelizmente, também entre algumas mulheres que reproduzem discursos violentos e machistas.
Nas comissões de ética, as ações contra deputados se multiplicam, mas, na prática, faltam punições para aqueles com foro privilegiado e liberdade de expressão no parlamento – ainda que essa liberdade seja usada para ofender ou diminuir uma mulher e colega de trabalho.
Dartora defende a aprovação do Projeto de Lei 2540/23, de sua autoria, que institui a Política Nacional de Proteção a Parlamentares em Situação de Risco, Vulnerabilidade e Vítimas de Violência Política de Gênero e Raça. “Propus o projeto para garantir um protocolo de proteção a parlamentares como eu, especialmente mulheres pretas que sofrem com violência política de gênero e raça constantemente.”
A força da deputada reflete-se em outras mulheres e ajuda na luta, mesmo que desigual. A pesquisa ainda revela que, apesar do ambiente hostil, 50,2% das mulheres têm a intenção de permanecer na política, enquanto 9,6% não têm intenção de continuar na vida pública.
Com informações da CNM e entrevista da Câmara dos Deputados.
Publicado originalmente em Rotina de Pautas, por Karina Pinto.