Wagner Moura é Marcelo em "O Agente Secreto". Foto: Divulgação
Em seu novo filme O Agente Secreto, o cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor de Bacurau (2019) e Aquarius (2016), entrega um de seus melhores trabalhos no quesito brasilidade. O longa-metragem protagonizado por Wagner Moura destaca a legitimidade da memória, a resistência pela democracia e nos traz de volta à Recife, em 1977, em pleno regime militar no Brasil: uma época de grande “pirraça”.
A TVT News assistiu O Agente Secreto e participou da coletiva de imprensa com o elenco da produção, em São Paulo, e traz os principais destaques da conversa.
Wagner Moura é O Agente Secreto
Marcelo (Wagner Moura) chega fugido à capital pernambucana em plena semana de Carnaval, na esperança de reencontrar seu filho, que vive com os avós maternos. O protagonista se torna morador do edifício em que Dona Sebastiana (Tânia Maria) resguarda vítimas da ditadura militar e da violência, com a ajuda de Clóvis (Robson Andrade) e Arlindo (Thomás Aquino).
No decorrer da história, descobrimos um pouco sobre o passado misterioso de Marcelo, que inclui uma breve passagem como chefe de departamento de uma universidade federal de Pernambuco e um tempestuoso conflito com um grande magnata da tecnologia, que torna Marcelo alvo do ex-militar Augusto (Roney Villela) e seu enteado, Bobbi (Gabriel Leone).
As referências
Em meio a trama principal da fuga de Marcelo, a produção de Mendonça Filho carrega referências cinematográficas e do Brasil dos anos 70: como de costume em suas obras, Recife é novamente uma personagem, desta vez, com o enfoque no lendário Cinema São Luís, onde Seu Alexandre (Carlos Francisco), o sogro de Marcelo, é projecionista. O filme Tubarão (1975), de Steven Spielberg, é a inspiração emblemática diante do episódio singular em que uma perna humana é encontrada dentro da barriga de um tubarão. Inclusive, a paixão de Kleber pelos cinemas de rua dá as caras novamente com delicadeza, após o documentário Retratos Fantasmas (2023) em que o diretor registrou o sumiço das salas populares.
Idealizado por anos, O Agente Secreto é sem dúvida o filme mais característico de Kleber Mendonça Filho. Como mencionado por Wagner Moura na coletiva de imprensa, o cineasta faz referências ao cinema americano dos anos 70, mas de uma forma pernambucana que exala a materialidade do Brasil real que nós conhecemos, que pulsa e vive apesar das dores e dificuldades.
“Kleber tem a gramática do cinema mundial e se apropria disso nos seus filmes. […] Ele gosta do cinema americano dos anos 70, você vê as referências, mas ele faz com que aquilo tudo vire pernambucano, vire brasileiro e isso é uma coisa muito bonita”
— Wagner Moura
Em outra mão, Kleber utiliza de um surrealismo tropicalista em O Agente Secreto. Se Tubarão inspirou a cena da perna dentro da barriga do animal, a personificação de lenda urbana que a “perna cabeluda” se torna parece ser uma referência quase que instintiva ao seu primeiro curta-metragem Vinil Verde, em que um par de luvas toma vida e apavora a casa de uma garotinha.
“Você pode fazer o que quiser no cinema. Mesmo que o filme que você esteja vendo é realista, que realismo é esse? O surrealismo é cinema também. A fronteira entre realidade e ficção pra mim é sempre um tema muito fascinante no cinema”, observou Kleber.
Wagner Moura, Alice Carvalho, Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho, Tânia Maria e Gabriel Leone durante coletiva de imprensa do filme. Foto: Raquel Freitas
Expectativas para o Oscar
Vencedor de prêmios no Festival de Cinema de Cannes e indicado em categorias do Gotham Awards, O Agente Secreto têm gerado expectativa para ser nomeado no Oscar, a maior premiação do cinema internacional. Sobre isso, o elenco da produção prefere manter os pés no chão.
“Talvez essa validação que tivemos nessas premiações internacionais tenha feito que o público brasileiro olhe para o nosso filme, e a vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar também pavimentou um caminho para a gente. [..] Mas em nenhum momento achei que iria ter essa circulação depois que a gente gravou”, ressaltou Alice Carvalho, que interpreta Fátima, esposa de Marcelo.
Gabriel Leone, que faz Bobbi na história, afirmou que os artistas nunca fazem os filmes pensando no que vai acontecer. “Você topa porque quer contar essa história, quer participar”, disse.
“A democracia e a cultura andam juntas. De um momento em que o Brasil voltou a ser um país com tendências democráticas, a cultura veio junto.”
— Wagner Moura
O papel de O Agente Secreto para Wagner Moura
Ao ser questionado sobre como espera que o filme seja visto pelo público, Wagner declarou que espera que O Agente Secreto seja um filme visto “para as pessoas pensarem”. Para o ator, um país precisa se ver na sua cultura, para que possa se desenvolver.
“Quando a gente vai para fora com esse filme e as pessoas vêem o Brasil, é um bônus, e é maravilhoso isso. Mas sobretudo, somos nós nos vendo como país”, completou Wagner.
O artista ainda rebateu as críticas contra a cultura que os setores da extrema-direita costumam fazer, atacando as leis de incentivo e os artistas brasileiros. “Eu sou fruto das leis de incentivo à cultura. Eu existo porque na Bahia, nos anos 90, houveram leis que possibilitaram que atores do teatro baiano pudessem existir como artistas”, relembrou.
O nascimento da ideia
Wagner Moura também relembrou a concepção de O Agente Secreto. Segundo ele, a obra se deu por um encontro do ator com Kleber em um momento político, dando alusão ao governo Bolsonaro, época em que a cultura foi atacada e as leis de incentivo esvaziadas. “Nós compartilhávamos a nossa perplexidade, nossa vontade de reagir, o nosso ‘o que a gente vai fazer?’”, revelou ao público.
Moura expressou em diversos momentos a alegria em ter trabalhado com a equipe do filme. Ele se lembrou que fazia muito tempo que não atuava em português – sua última vez foi em Praia do Futuro (2014) – e voltar com uma obra de Kleber, em Recife, foi um processo de trabalho dos mais felizes que Wagner já teve na carreira.
“Eu nasci para trabalhar com o Kleber. Nós somos dois homens muito diferentes, mas muito parecidos. Temos temperaturas muito diferentes, mas somos muito parecidos. Nós vemos a arte e o cinema, o que fazemos e a importância política disso de forma muito parecida. Nos colocamos, somos artistas que estamos falando, que não temos medo de dizer o que temos que dizer”, concluiu Wagner.
O Agente Secreto estreia em 6 de novembro nos cinemas de todo o Brasil.