Afinal, o que está acontecendo na Favela do Moinho?

Terreno no centro de SP pode virar parque; moradores denunciam ações violentas e falta de diálogo
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Protesto na Favela do Moinho, em SP. Reprodução: Redes Sociais

A Favela do Moinho, na região central de São Paulo, tem sido palco de comoção e tensão. Na manhã de segunda-feira (13), o local amanheceu cercado pela Polícia Militar, com muita correria, bombas, e casas sendo desmontadas. Mas o que está por trás dessa operação? Entenda a cronologia, motivos da ofensiva e os impactos para os moradores na TVT News.

Violência policial na Favela do Moinho

No dia 14 de de maio, a reportagem da TVT News esteve, por duas vezes, na região da Favela do Moinho e presenciou a violência policial.

Após novas demolições na Favela do Moinho, na região central de São Paulo, moradores ocuparam a avenida Rio Branco para denunciar a violência nas ações de remoção. Eles acusam o governo de descumprir acordos e usar a força policial de forma desproporcional.

A repórter Girrana Rodrigues, que acompanha o ato, relata que a PM tem impedido a entrada da imprensa na comunidade, o que fere a liberdade de imprensa garantida pela Constituição.

Setembro de 2024: governo Tarcísio decide retirar moradores da Favela do Moinho

Em setembro de 2024, o governo de Tarcísio de Freitas anunciou um plano para transformar a Favela do Moinho, em um parque.

A ideia do governo é “requalificar” a área, que abrigará numa localidade próxima o novo Centro Administrativo do Governo de São Paulo. O objetivo também seria de reduzir o consumo de drogas, visto que, de acordo com investigação do Ministério Público, traficantes usam da comunidade para estocar as substâncias consumidas na Cracolândia. 

Onde fica a Favela do Marinho?

A comunidade está localizada no bairro dos Campos Elíseos, no distrito de Santa Cecília e Bom Retiro, no centro de São Paulo, sob o Viaduto Engenheiro Orlando Murgel.

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Mapa da Favela do Moinho. Arte: Rebeca de Ávila

Para isso, a gestão ofertou aos moradores, unidades compradas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) ou financiar um imóvel à sua escolha que tenha o valor máximo de até R$ 250 mil para apartamentos na região central ou R$ 200 mil para residências em demais bairros ou cidades do estado. A mensalidade do financiamento é de 20% da renda familiar por até 30 anos. 

De acordo com a pasta, mais de 90% das famílias aceitaram formalmente a proposta.

Já os moradores que se recusam a sair da Moinho, reclamam que a maior parte das casas oferecidas pelo governo não estão prontas, especialmente as posicionadas no centro da cidade. Muitas delas ainda serão construídas, num prazo que pode levar dois anos. O grupo relata que a aprovação dos habitantes ocorre por medo de uma retirada à força sem nenhum ressarcimento.

Enquanto as residências não ficam prontas, o morador removido da comunidade receberá um auxílio aluguel de apenas R$ 800, pago metade pelo estado e metade pela prefeitura de Ricardo Nunes. Um pagamento de R$ 2.400 também será efetuado para cobrir gastos com a mudança. 

Contudo, o valor do auxílio aluguel é insuficiente para a locação de um imóvel de qualidade no centro de São Paulo, o que faria com que as famílias voltassem a morar em locais precários da mesma forma.

O governo alega que a permanência dos residentes na zona é impraticável por conta de possíveis riscos relacionados à operação das linhas 7-Rubi e 8-Diamante da CPTM. “Essas famílias vivem em situação de alto risco, uma vez que a Favela do Moinho fica entre linhas férreas em operação, embaixo de um viaduto, com um único acesso. Tanto que, na última década, foram registrados dois incêndios de grandes proporções que deixaram mortos e centenas de desabrigados. Esse cenário atesta a necessidade de atendimento habitacional para essa população, como propõe o projeto”, afirma o órgão.

Outra questão a ser resolvida é em relação ao próprio território. A área onde a gestão Tarcísio deseja construir um parque e uma estação de trem na região, é de posse da União, enquanto a ordem de remoção é do governo do estado. Assim, o governador está negociando com o governo Lula

Na ocasião, o governo federal autorizou a remoção das casas, mas impôs condições: preservar as estruturas das moradias vizinhas e respeitar o cotidiano da comunidade — algo que, segundo relatos, não foi cumprido.

Nesta segunda-feira (12), a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), vinculada ao Ministério da Gestão, chegou a enviar um ofício ao governo de São Paulo autorizando a retirada das estruturas das casas de famílias que teriam optado, supostamente de forma voluntária, por deixar a comunidade. No entanto, a própria SPU reconheceu nesta terça-feira (13) que a remoção foi feita sem o devido cuidado e com uso de violência policial.

Retirada das famílias

No primeiro dia de remoção, no último 22 de abril, foram feitas dez mudanças, de acordo com o governo. Segundo a gestão, há adesão de pelo menos 752 famílias (88%), das quais 599 estão aptas a assinar os contratos e receber o imóvel assim que estiver pronto.

A TVT News esteve presente na Favela do Moinho no dia, para acompanhar a operação e a reação da comunidade. Desde então, moradores organizam bloqueios na entrada da região e manifestações contra o despejo.

“Muitos moradores foram coagidos a assinar, o governo falou uma proposta para as pessoas e entregou outra. Estão lacrando as casas com gatos dentro. Não estão agindo certo.”, argumentou Paulo Rogério Dias, morador do Moinho.

O advogado Benedito Roberto Barbosa, que representa a União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e os moradores da favela, afirma que, apesar de as medidas aparentarem ser uma solução bem ordenada, não condizem com a realidade dos habitantes da favela, por não terem renda suficiente para saldar um financiamento imobiliário.

Além de haver reprovação quanto à localidade e ao tamanho dos imóveis ofertados, que seriam pequenos para acomodar as famílias, diz o advogado.

De acordo com Barbosa, integrantes da comunidade compareceram a diversas reuniões com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado (CDHU) e pediram um tratamento mais humanizado. Ele recorda o uso de bombas de efeito moral pela Polícia Militar durante atos organizados pelos moradores, assim como a tentativa de intimidá-los.

“Até agora, não tem um plano de reassentamento para as famílias, só o auxílio-aluguel de R$ 800, e as famílias não sabem aonde irão futuramente”, criticou.

Reação da comunidade

Na sexta-feira (12), moradores realizaram uma manifestação após a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) realizar demolições. Os moradores atearam fogo em objetos no trilho de de trem que atravessa a comunidade por volta das 16h.

O protesto ocorreu entre as estações Palmeiras-Barra Funda e Luz, o que afetou o funcionamento dos trens das linhas 8-Diamante, 7-Rubi e 13-Jade por mais de uma hora. De acordo com a Secretaria, seis casas foram demolidas. Segundo lideranças comunitárias, não houve acordo para a destruição das moradias, que foi impedida de prosseguir com a manifestação dos moradores.

Já nesta terça-feira (13), os protestos se intensificaram, a Polícia Militar afirmou que cerca de 20 manifestantes incendiaram a entrada da Favela do Moinho, o que deu início a um confronto entre moradores e agentes de segurança.

Em vídeos obtidos pela TVT News, é possível observar moradores gritando “fora opressão!” e a PM agredindo moradores e jornalistas que estavam presentes na região.

Em uma das imagens, uma mulher repreende a PM, afirmando que “Aqui [na favela do moinho], não tem vagabundo, não”

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informa que a Polícia Militar atuou em apoio a equipes da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano. E acrescenta que dois homens foram detidos por agredirem policiais militares com pedras e garrafas, ferindo dois agentes. 

Veja os vídeos:

Deputada agredida

A deputada estadual Ediane Maria (PSOL-SP) denunciou nesta terça-feira (13), ter sido alvo de agressão por parte da Polícia Militar durante a ação de reintegração de posse na Favela do Moinho. A parlamentar relatou o uso de bombas e força excessiva por agentes da PM contra moradores da comunidade e contra sua própria equipe, mesmo após ter se identificado como autoridade.

“O Tarcísio quer tirar os moradores da favela do Moinho sem dar uma alternativa decente para as famílias”, declarou Ediane, em vídeo publicado nas redes sociais. “Ele precisa pisar aqui com respeito. É o território que construímos diariamente. A PM não respeita parlamentar, idoso e ninguém.”

Ediane afirmou que “ontem foi um show de horror” e classificou a ofensiva como uma “limpeza social” a serviço da especulação imobiliária.

Governo Lula interrompe cessão

Ainda nesta terça-feira (13), o Governo Federal emitiu uma nota oficial, através do Ministério da Gestão informando a suspensão do processo de cessão da área da Favela do Moinho, ao governo estadual, comandado por Tarcísio de Freitas. Em nota, a pasta destacou que “não compactua com qualquer uso de força policial contra a população” e fez críticas à atuação do governo de São Paulo na condução do conflito.

“O governo federal não compactua com qualquer uso de força policial contra a população.

Diante da forma como o Governo do Estado de São Paulo está conduzindo a descaracterização das moradias desocupadas na favela do Moinho, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) vai expedir, ainda nesta terça-feira, 13 de maio, uma notificação extrajudicial paralisando o processo de cessão daquela área para o governo do Estado.

Como explicitado no oficio encaminhado ontem, 12 de maio, à SDUH, a anuência da SPU à descaracterização (e não a uma demolição) das moradias das famílias que voluntariamente deixaram suas casas estava condicionada a uma atuação “cuidadosa, para evitar o impacto na estrutura das casas vizinhas e minimizar a interferência nas atividades cotidianas da comunidade.”

Desde o início das negociações com o governo de São Paulo, em 2024, a SPU deixou explícito que a cessão da área estava vinculada à condução de um processo de desocupação negociado com a comunidade e transparente.”

Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos

Gestão paulista desobedece ordem da União

Mesmo com a cessão do terreno da Favela do Moinho suspensa pelo governo federal, equipes da CDHU, escoltadas pela PM, voltaram à comunidade nesta quarta (14) e desmontaram parte de mais casas.

Segundo nota divulgada pela Associação de Moradores da Favela do Moinho, “a presença ostensiva da Polícia Militar na comunidade é inequivocamente utilizada para intimidar os moradores e criar um estado de terror e sítio para tornar a permanência das pessoas inviável.”

“Ontem (13/05), bombas sufocando crianças, idosos e a população local com gases e ameaças de que na próxima a bala ia ser de verdade.
Dois moradores foram detidos e ainda aguardam audiência de custódia para liberação. Muitos feridos com tiros de borracha no peito, contrariando protocolos da própria PM de utilização de armamento menos letal. Crianças desmaiadas pelo excesso de gases tóxicos. Essas são cenas que estão se repetindo no dia de hoje!

A CDHU é o vetor sistemático de violação de direitos, levando adiante um processo de expulsão cheio de irregularidades. Pessoas que já foram removidas, inclusive, reclamam da cessação de pagamento de auxílio, da cobrança de taxas e custos indevidos e não informados anteriormente.

A CDHU divulga informações falsas sobre o processo de remoção, com dados e números conflitantes – à imprensa informam que 86% da população da favela aceitou deixar suas casas mediante assinatura de termo de bolsa-aluguel no valor de R$ 800,00 e/ou oferta de cartas de crédito imobiliário social; porém em levantamento interno junto à Associação de moradores informa que apenas 68% da população aceitou deixar suas casas nessas condições.

Segundo a CDHU, na Favela Do Moinho hoje residem 960 famílias, enquanto a Associação de moradores contabiliza 1060 famílias e 3000 moradores no total.”

A entidade também relata que na manhã desta quarta-feira (14), uma criança estava indo para a creche e teve a mochila revistada pela PM.

A entrada de apoiadores e da imprensa na Favela do Moinho foi vetada pela Polícia Militar. A repórter Girrana Rodrigues, da TVT News, teve que ficar do lado de fora da comunidade, em frente ao Batalhão da Tropa de Choque, para entrar ao vivo no Jornal TVT News Primeira Edição.

“Neste momento, é a Tropa de Choque que limita o acesso a favela, intimida moradores e revista casas sem mandado de segurança com o uso ostensivo de cães policiais”, afirma a nota da Associação de Moradores.

“Acordamos com demolição, com barulho deles derrubando porta, janela. Na hora que eu vim sair com meu filho de quatro anos eles revistaram a mochila dele. E falaram que se eu sair, eu não podia entrar de novo. Meu filho vê a polícia, ele entra em choque. Ele acha que a polícia vai tacar bomba dentro de casa. Não tem como dormir. É uma hora, é um helicóptero passando e a gente não sabe se a polícia vai entrar. A gente dorme com medo. Acorda e levanta com medo”, disse uma moradora.

A entidade argumenta que “está preparada para resistir e organizando atos para denunciar a situação de violência.”

O que diz a CDHU?

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação informou que as ações estão seguindo normalmente e que uma futura discussão sobre a destinação do terreno poderá ocorrer paralelamente, sem prejuízo às medidas em curso.

“A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação propôs o reassentamento voluntário das famílias da Favela do Moinho, tendo obtido a adesão de 90% dos moradores. A iniciativa tem como objetivo garantir condições de moradia dignas e seguras para a população que atualmente vive em área de risco iminente e em situação de insalubridade. Até agora, 181 famílias já se mudaram do Moinho.

As ações seguem em andamento normalmente. A discussão sobre a futura destinação do terreno poderá ocorrer paralelamente, sem prejuízo às medidas em curso. A demolição das estruturas existentes visa eliminar riscos estruturais iminentes e prevenir a reocupação da área, sendo realizada em parceria com a Prefeitura Municipal.”

A TVT News solicitou mais detalhes sobre as operações que ocorrem nesta quarta-feira (14) e aguarda retorno.

Histórico

A Favela do Moinho surgiu no início da década de 1990. O local antes abrigava uma indústria de processamento de farinha e fabricação de ração, a Moinho Central, desativada nos anos 1980.

É a última grande favela da região central de São Paulo, localizada entre os bairros Campos Elíseos e Bom Retiro.

A comunidade, símbolo de resistência urbana há décadas, mais uma vez se vê no centro de uma disputa entre o direito à cidade e os interesses do capital imobiliário. E essa não é a primeira vez que os moradores enfrentam episódios de violência pelas autoridades.

* Reportagem realizada com colaboração de Gabriel Valery, Girrana Rodrigues, Raquel Novaes e Rebeca de Ávila


 

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