A Associação de Docentes da Universidade Estadual de Campinas (ADunicamp) e o Lugar de Memória (Lume) realizam nesta quarta-feira (25), em Campinas, a primeira reunião do Observatório das Políticas de Memória no Brasil, fechada para convidados e que deve dar corpo à sua dinâmica de trabalho. A iniciativa, idealizada pelo Lume, surge a partir da intenção de assegurar políticas públicas específicas para esse fim, incluindo as de cunho educativo e que chegam ao ensino básico.
O observatório ficará sob o guarda-chuva da diretoria executiva de Direitos Humanos da Unicamp e terá um docente designado para coordenar suas ações. O Lume deverá ser oficializado como parceiro. Além da reunião técnica, haverá um seminário aberto ao público e gratuito, com o tema Políticas de Memória.
A coordenadora do Lume, Claudia Hoffmann, cursa o doutorado no programa de História da Unicamp e conta que, nesse período de sua vida acadêmica, teve acesso a muitos materiais teóricos relacionados à área de conhecimento em que se debruça, a de justiça, verdade e memória. Como pesquisadora, também passou, recentemente, a perceber que diversos grupos atuantes nesse campo abordam questões em comum e buscam as mesmas soluções.
“A ideia surgiu a partir das dificuldades, [do entendimento de] que deveríamos ter um grupo mesclado, com uma articulação nacional, para fortalecer os lugares de memória, mas também de forma mais ampla, [para identificar] quais são todas as políticas de memória”, elucida.
“Porque, do mesmo jeito que tem política de memória, tem política de esquecimento. A gente sabe que, na maioria dos estados, o relatório da Comissão da Verdade foi engavetado. Política de memória precisa ter orçamento público”, declara ela, que optou por estudar a violência cometida contra quilombolas.
Para a coordenadora, que também é historiadora do Ministério Público do Paraná, doutoranda em História na Unicamp e integrante do Comitê Estadual Memória, Verdade e Justiça, muito do que aconteceu no Brasil ainda permanece omitido e parte dos fatos, mesmo quando registrados por pesquisadores, também não chega às salas de aula. Um de seus argumentos é o de que haja maior familiaridade dos brasileiros com as verdadeiras versões dos acontecimentos e com conceitos como a Justiça de Transição, como forma de se combater o negacionismo histórico que apaga opressões como a perseguição de professores que fizeram oposição a regimes autoritários.
Memória e Verdade
Outro plano é fazer parcerias com o Ministério Público. Conforme lembra Claudia, o Ministério Público Federal já conta com o Grupo de Trabalho (GT) Direito à Memória e à Verdade.
No final de agosto deste ano, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania organizou um evento para marcar a retomada da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. As atividades foram suspensas em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro, que chegou a render homenagens a um dos mais violentos torturadores da ditadura civil-militar instaurada com o golpe de 1964, o coronel do Exército Brasileiro Carlos Brilhante Ustra, o primeiro a ser condenado.
Instituída pela Lei nº 9.140 de 1995, a comissão foi criada para reconhecer como mortas pessoas que foram alvo de perseguição política e desapareceram no período de 1961 a 1988. Mais de 300 casos foram analisados, o que tornou possível o reconhecimento de mortes e o pagamento de indenizações às famílias das vítimas.
Devem participar do evento a Rede Brasileira de Pesquisadores de Sítios de Memória e Consciência, Rede Latino-Americana e do Caribe de Sítios de Memória (Reslac), a Coalizão Internacional dos Sítios de Consciência, representantes da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), da Universidade de São Paulo (USP), do Ministério Público de São Paulo (MPSP), do Ministério Público do Paraná (MPPR), do Núcleo Memória, de São Paulo, e do projeto Arqueologias do DOI-Codi de São Paulo, que reúne especialistas da Unicamp, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para aderir ao Observatório das Políticas de Memória no Brasil, é preciso entrar em contato por meio do Lume.
UFMG concede diplomação póstuma a estudantes vítimas da ditadura militar
Em honra à memória dos mortos pela ditadura militar brasileira, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concedeu na última terça-feira (24) a diplomação póstuma a quatro universitários e homenagem a dois professores e dois servidores administrativos da universidade que perderam seus cargos em consequência da resistência contra o regime autoritário.
Os homenageados
Gildo Macedo Lacerda foi aluno de Economia na Faculdade de Ciências Econômicas até 1969, quando foi desligado pelo Decreto 477, documento que expulsou estudantes e demitiu professores por práticas consideradas subversivas nas universidades. Gildo foi preso em Salvador (BA) e foi morto sob tortura em Recife (PE).
Idalísio Soares Aranha Filho iniciou o curso de Psicologia em 1968. Walkíria Afonso Costa, companheira de Idalísio, cursava Pedagogia. Ambos foram mortos na Guerrilha do Araguaia.
José Carlos Novais da Mata Machado estudava Direito desde 1964, e em 28 de outubro de 1973 morreu sob tortura.
Elza Pereira e Irany Campos eram servidores técnico-administrativos na universidade e Marcos Magalhães Rubinger (in memoriam) e João Batista dos Mares Guia atuavam como docentes na instituição. Todos foram afastados e impedidos de exercerem suas funções na UFMG.
A Universidade Federal de Minas Gerais não concede títulos post mortem, mas o Conselho Universitário do instituto reconheceu a importância de prestar homenagem aos alunos vitimados. A UFMG se junta à USP como mais uma universidade pública a honrar a memória de estudantes e servidores impactados pela ditadura militar no Brasil.
Com reportagem de Letycia Bond, da Agência Brasil e Assessoria de Imprensa da UFMG