A Classificação Integrada de Fase de Segurança Alimentar (IPC), órgão internacional apoiado pela ONU e principal referência global para crises alimentares, confirmou nesta sexta-feira (22) que há fome generalizada na Faixa de Gaza. Entenda na TVT News.
Trata-se do primeiro registro oficial de fome nesse nível no Oriente Médio e, segundo o relatório, a situação foi “construída por Israel” por meio da obstrução sistemática da entrada de ajuda humanitária, do cerco militar prolongado e de ataques deliberados a infraestruturas civis.
A fome atinge com gravidade a Cidade de Gaza, a maior do enclave palestino, atualmente alvo de uma nova ofensiva terrestre israelense. De acordo com o IPC, o colapso humanitário poderá se expandir para toda a Faixa de Gaza nos próximos meses, caso não haja mudanças imediatas no bloqueio à entrada de alimentos, água e medicamentos.
“Há fome generalizada em Gaza, em pleno século 21. Uma fome promovida abertamente por alguns líderes israelenses como uma arma de guerra. A fome de Gaza é prevenível, algo que se desenvolveu sob o nosso olhar e deve nos assombrar”, declarou Tom Fletcher, subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários.
Ele classificou a crise como “fome causada pela crueldade, justificada com vingança, habilitada pela indiferença e sustentada pela conivência”. Fletcher pediu um cessar-fogo imediato e a abertura das fronteiras para a entrada de ajuda internacional.
Situação catastrófica
Segundo o relatório, 132 mil crianças palestinas com menos de cinco anos correm risco de morte por desnutrição aguda, sendo 41 mil em estado grave. Pelo menos 200 pessoas morreram de fome desde o início do conflito, em outubro de 2023. A ONU alertou que toneladas de alimentos estão retidas nas fronteiras, impedidas de entrar por Israel, enquanto hospitais e centros de assistência infantil estão sob bombardeio constante.
“O desastre da fome produzida pelo homem em Gaza não pode ficar impune”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, acrescentando que a obstrução à ajuda pode configurar crime de guerra.
O Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, Volker Türk, também declarou que mortes por inanição causadas deliberadamente são passíveis de responsabilização internacional.
Ameaça de destruição total
A divulgação do relatório coincide com a escalada da ofensiva israelense sobre Gaza, onde um milhão de pessoas residem ou buscavam refúgio. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu anunciou que o Exército “tomará controle total” da cidade para “derrotar o Hamas”, mesmo diante de oposição internacional e riscos humanitários extremos.
O ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, foi ainda mais incisivo. Em publicação nas redes sociais, afirmou:
“Se o Hamas não aceitar nossas condições – entrega de armas e libertação de todos os reféns – Gaza City será transformada em Rafah e Beit Hanoun”, cidades que já foram devastadas por ataques anteriores.
A ofensiva foi autorizada após o colapso das negociações indiretas com o Hamas, mediadas por Egito e Qatar, que propunham cessar-fogo de 60 dias e liberação de parte dos reféns. Israel rejeitou o acordo e disse que só aceitará “termos aceitáveis a Israel”.
Apesar dos apelos da ONU e de organizações civis, o Exército israelense já emitiu ordens para evacuação em massa da Cidade de Gaza. A própria ONU, no entanto, alertou que a transferência forçada de civis em meio a uma crise humanitária configura violação do direito internacional. Entidades como Médicos Sem Fronteiras e Cruz Vermelha anunciaram que permanecerão no território para atender quem não puder fugir.
Contexto do conflito
O ataque israelense é resposta ao atentado de 7 de outubro de 2023, quando militantes do Hamas invadiram o sul de Israel, matando 1.200 pessoas e sequestrando 251. Desde então, a campanha militar israelense já matou mais de 62 mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, números reconhecidos por agências internacionais como os mais confiáveis disponíveis.
A ONU classifica a destruição causada por Israel como “sem precedentes” e afirma que o território está se tornando “inabitável” devido ao colapso de sistemas de saneamento, saúde, alimentação e educação.
Pressão internacional aumenta
Com o novo relatório da IPC, a pressão sobre Israel cresce no Conselho de Segurança da ONU e em organismos internacionais, incluindo o Tribunal Penal Internacional, que já investiga denúncias de crimes de guerra. Grupos humanitários pedem ações imediatas de países como Estados Unidos, França e Alemanha para impedir uma catástrofe ainda maior.
O cenário, segundo analistas, representa uma ruptura sem precedentes no sistema internacional de proteção humanitária, e poderá marcar um novo capítulo na responsabilização internacional por fome como arma de guerra.