Uma expedição científica que contará com a participação de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) à Antártida está conectando biodiversidade terrestre e a busca por vida extraterrestre. Sob a coordenação do professor Douglas Galante, do Instituto de Geociências (IGc-USP), os estudos buscam compreender a formação e as características dos tapetes microbianos — estruturas de biofilmes de bactérias que produzem minerais por bioprecipitação, um processo semelhante ao utilizado por organismos para criar esqueletos ou conchas.
A embarcação encarregada da missão é o navio quebra-gelo Akademik Tryoshnikov, do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica (AARI) de São Petersburgo, na Rússia, com 133 metros de comprimento, dez laboratórios, dois heliportos, botes, guinchos e outros equipamentos de pesquisa especialmente projetados para missões polares. Seu casco reforçado tem capacidade para atravessar banquisas (plataformas de gelo flutuante) com até 1,5 metro de espessura.
A meta, segundo Simões, é inspecionar cerca de 15 geleiras ao redor do continente. Além das análises feitas com instrumentos do próprio navio, os pesquisadores vão usar helicópteros para coletar amostras de gelo e neve do continente.
Astrobiologia e vida extraterrestre
Esse tipo de pesquisa está diretamente relacionado com a astrobiologia e a busca de vida extraterrestre. Esses tapetes microbianos, encontrados em ambientes costeiros de águas rasas, podem ser fundamentais para desvendar mistérios sobre a vida no passado da Terra e, possivelmente, em outros planetas. Em Marte, por exemplo, existem sinais da presença, ainda que tênue, de água líquida, inclusive superficial.
Vida extraterrestre no Sistema Solar
Outros exemplos importantes estão em luas congeladas de gigantes gasosos do Sistema Solar, como Jupiter e Saturno. É o caso de Encélado, em Saturno, e Europa, em Jupiter. Essas luas possuem oceanos líquidos abaixo de uma capa de gelo externa. Ainda existem comprovações de que existem gêiseres superficiais nestes corpos celestes. Ao redor destes gêiseres, podem existir esses tapetes microbianos, evidenciando formas de vida no interior destas luas.
Ainda segundo Galante, existem outras razões para o estudo. Trata-se de entender essas estruturas dentro da evolução terrestres. Este é um ponto de encontro da biologia local com a astrobiologia, que busca entender os caminhos da evolução. Isso porque esses tapetes podem ter sido comuns na Terra durante o período Arqueano, há bilhões de anos. “Viajar para a Antártida é como viajar no tempo, explorando condições similares às de um passado remoto do nosso planeta”, afirma o pesquisador.
Alta tecnologia
Caso biominerais sejam encontrados, eles serão analisados no acelerador de partículas Sirius, em Campinas. O acelerador de alta tecnologia poderá distinguir minerais de origem biológica de outros. Uma das comparações mais aguardadas será entre os carbonatos produzidos pelos biofilmes da Antártida e aqueles encontrados na superfície de Marte. Essa análise pode ajudar a determinar se os minerais marcianos têm origem biótica, sugerindo que vida microbiana existiu no planeta vermelho.
Em busca de vida fora da Terra
Enquanto os pesquisadores da USP buscam pistas na Terra, a Nasa direciona esforços para investigar na lua Europa. A espaçonave Europa Clipper, lançada recentemente, tem como destino a lua que orbita Júpiter a 628 milhões de quilômetros da Terra. A missão deve chegar na lua em 2030. Cientistas acreditam que sob sua espessa camada de gelo de 25 quilômetros de profundidade exista um vasto oceano de água salgada, possivelmente contendo os ingredientes químicos necessários para formas de vida.
A hipótese de vida em Europa surgiu nos anos 1970, quando astrônomos detectaram água congelada em sua superfície. A nave Europa Clipper se dedicará a explorar essa possibilidade, ultrapassando uma missão anterior e chegando primeiro à lua gelada.
Segundo Mark Fox-Powell, microbiologista planetário da Open University, a descoberta de vida em Europa teria implicações profundas. “Se descobrirmos vida tão longe do Sol, isso indicaria uma origem independente da vida em relação à Terra. Isso sugeriria que a vida pode ser algo comum no universo”, explica.
Conexão do estudo em Europa
As naves Voyager 1 e 2 da agência norte-americana capturaram imagens de Europa na década de 1970. Já em 1995 a nave Galileo, também da Nasa, passou perto de Europa, tendo feito fotos que levantam a ligação entre o estudo e a possibilidade de vida. As imagens mostram uma superfície com rachaduras escuras de tom vermelho e marrom. Essas rachaduras podem conter compostos de sais e enxofre que seriam possíveis indícios biofilme, ou seja, de vida extraterrestre.