Projeto que afrouxa regras ambientais avança no Senado

Uma das medidas é a isenção de licenciamento para empreendimentos militares com impactos ambientais. Entenda
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O projeto é defendido por setores do agronegócio e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP): Ricardo Stuckert/PR

A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou nesta terça-feira (20) — de forma simbólica, sem registro nominal de votos — um projeto de lei que afrouxa as regras ambientais no país. O texto, que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados ainda em 2021, agora segue para análise em Plenário após também ter sido aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) no mesmo dia. Entenda na TVT News.

O projeto é defendido por setores do agronegócio e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e tem como relatora a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Jair Bolsonaro (PL). Para seus defensores, a proposta trará “segurança jurídica” aos empreendedores e padronizará procedimentos ambientais em todo o território nacional. Para ambientalistas, juristas e parlamentares da oposição, trata-se de uma ameaça grave à proteção ambiental, com potencial para desencadear tragédias evitáveis.

Vozes contra a proposta

O senador Fabiano Contarato (PT-ES), presidente da CMA, alertou para os riscos constitucionais e ambientais embutidos no texto. “Peço reflexão sobre o que estamos votando. O direito ao meio ambiente é da sociedade brasileira. E quem é o guardião desse direito é o Estado brasileiro”, afirmou. Contarato ainda questionou a constitucionalidade do projeto e denunciou a priorização de interesses econômicos sobre a preservação ambiental.

A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) também criticou a proposta, especialmente a previsão de que empreendimentos classificados como de “médio porte” possam utilizar a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), sem análise técnica prévia. “É um projeto viciado e abre brechas grandes para que fatalidades possam se repetir”, advertiu. Ela citou o exemplo de Brumadinho, tragédia que poderia ter sido evitada com um licenciamento mais rigoroso — e que, sob as novas regras, poderia ser considerado de porte médio.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), embora sem declarar posição definitiva do Planalto, também demonstrou preocupação. “Estamos correndo o risco de ter uma guerra ambiental, em que cada município irá competir para flexibilizar mais. Quem facilitar mais, atrai investimento. Isso não é política pública, é disputa predatória”, disse. Wagner, ex-governador da Bahia, afirmou que adotou LACs apenas para empreendimentos de baixo impacto, e não nas proporções que o novo projeto pretende.

A Comissão de Agricultura aprovou, inclusive, um requerimento de urgência para levar o projeto ao plenário do Senado ainda nesta semana. Caso aprovado, terá de voltar à Câmara, por ter sido modificado.

O que muda com o projeto

O PL 2.159/2021 estabelece a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, com normas para os órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). A proposta inclui:

  • Isenção de licenciamento para empreendimentos militares e atividades agropecuárias de pequeno porte.
  • Criação da LAC, que permite ao empreendedor declarar que seguirá as normas ambientais, recebendo licença automática, sem análise prévia do órgão competente.
  • Licença Ambiental Única, que unifica em um só documento as autorizações para construir e operar.
  • Dispensa de licenciamento para atividades de baixo impacto, com possibilidade de ampliação para porte médio por meio da LAC.
  • Regularização de empreendimentos irregulares, operando sem licenças ambientais.

Além disso, o texto traz alterações à Lei da Mata Atlântica e à Lei Complementar 140/2011, para dirimir conflitos sobre a responsabilidade federativa no licenciamento em áreas de divisa entre estados e municípios. Emendas apresentadas por senadores como Jayme Campos (União-MT) e Luis Carlos Heinze (PP-RS) foram acolhidas com esse objetivo.

Críticas ambientais

O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), já declarou que pedirá veto presidencial caso o projeto seja aprovado. Para ele, a proposta representa “um retrocesso sem precedentes na legislação ambiental” e pode minar décadas de avanços institucionais no controle de impactos ambientais.

Licenciamento ambiental é um dos principais instrumentos de proteção ambiental no Brasil, sendo obrigatório para atividades com potencial de degradação significativa, como construção de hidrelétricas, expansão de rodovias, instalação de indústrias e exploração de recursos naturais. A flexibilização do processo levanta o temor de que empreendimentos arriscados avancem sem a devida avaliação técnica, ameaçando ecossistemas e populações.

Incerteza ambiental

A proposta de lei avança num momento em que o Brasil se vê sob pressão internacional para fortalecer sua governança ambiental, após uma década marcada por retrocessos e tragédias como Mariana (2015) e Brumadinho (2019). A inclusão de termos como “segurança jurídica” e “desburocratização” no discurso de parlamentares e setores econômicos não disfarça o risco embutido de fragilizar o papel fiscalizador do Estado.

A centralização da responsabilidade nos municípios e a ampliação das LACs para atividades de médio impacto criam um cenário propício para disputas ambientais entre entes federativos e para a proliferação de projetos com baixa fiscalização. “A LAC pode até ser uma ferramenta útil, mas não é panaceia. Se mal utilizada, vira licença para poluir”, alertou um técnico ambiental ouvido pela reportagem.

Com a votação em plenário se aproximando, cresce a pressão da sociedade civil, de especialistas e de movimentos ambientais para barrar a proposta ou ao menos mitigar seus efeitos mais danosos. Resta saber se o Congresso está disposto a ouvir essas vozes — ou se a história voltará a se repetir, desta vez sob a forma de um desastre evitável por lei.

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