“A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize'”, Antonio Candido
A reforma trabalhista neoliberal de 2017 entrou em vigor no dia 11 de novembro, após sanção do então presidente, Michel Temer (MDB), no dia 13 de julho. O projeto neoliberal – idealizado originalmente por Temer – ganhou força após o golpe parlamentar que destituiu a presidenta Dilma Rousseff (PT), no ano anterior. Então, sob pretexto de gerar empregos, a reforma passou como um trator sobre as leis do trabalho, retirando direitos e abrindo portas para o subemprego. Sete anos depois, as forças que aprovaram a reforma defendem a escala 6×1, que priva os cidadãos de direitos básicos como o de lazer ou mesmo de manter relações familiares saudáveis.
O relator da reforma na Câmara dos Deputados foi Rogério Marinho. Na época, ele era afiliado ao PSDB. Com o passar do tempo, mudou de legenda e adotou um discurso cada vez mais de extrema direita. Hoje, pertence aos quadros do PL de Jair Bolsonaro e Valdemar da Costa Neto. Sua aproximação com o bolsonarismo já era clara na época. Ele, inclusive, disseminou uma informação falsa de que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) teria “reconhecido a modernização” que vinha com a reforma trabalhista. Mentira.
Na verdade, a 106ª Conferência da OIT passou a monitorar o Brasil, ao lado de 40 países, como possíveis violadores de normas internacionais do trabalho. Contudo, o fato é que resoluções da OIT, órgão ligado à ONU, não possui poder vinculante, ou seja, trabalha apenas com recomendações aos signatários.
Agora, com a discussão do fim da escala 6×1, onde o funcionário trabalha seis dias e descansa um, muitas vezes em dias se semana, a reforma trabalhista voltou aos holofotes. Rogério Marinho defende a visão da reforma de precarizar as relações de trabalho. Afirma que este tema deve ser discutido entre patrão e funcionário e não deve ser alvo de lei ou proteção do Estado. “Factoide”, definiu o projeto que tenta encerrar com as jornadas abusivas.
Essa negociação direta entre empresa e empregado é um dos pontos mais questionáveis da reforma. Isso porque, por óbvio e também reconhecido pela legislação, empresários possuem mais força na negociação. E o Estado, que deveria prover igualdade entre as partes, lava as mãos.
Destruição da proteção ao trabalho
“A reforma trabalhista brasileira teve como intenção a destruição de garantias históricas da classe trabalhadora, notadamente através do trabalho flexível e precarizado. Quer a partir da flexibilização das garantias de emprego, do salário ou funcional, observa-se de forma cristalina o perecimento das garantias históricas da classe trabalhadora”, como explicam Maria Vitória Queija Alvár e Roberto Senise Lisboa. Maria é especialista em direito do trabalho pela USP e Roberto é livre-docente e doutor em direito civil pela USP.
Os juristas elencam alguns pontos da reforma que acabam com proteções históricas dos trabalhadores e rompe com as garantias prestacionais fundamentais positivadas na Constituição Federal, particularmente em seus artigos 6º e 7º. Sendo assim, para os pensadores em análise da reforma trabalhista, acabam:
- a garantia de mercado de trabalho, ou seja, uma política de compromisso estatal do pleno
emprego; - a garantia de vínculo empregatício, proteção contra a demissão arbitrária e a regulamentação
das regras de contratação; - a garantia de segurança no emprego, que permite a manutenção do vínculo de emprego e a
oportunidade de ascensão em termos de status e renda; - a segurança do trabalho, que se refere à proteção da saúde do trabalhador em relação as
normas de medicina e segurança do trabalho; - a garantia de reprodução de habilidade, através de formação e cursos de capacitação, bem
como fazer uso dessas habilidades; - a garantia de segurança de renda, isto é, do salário protegido; e
- a garantia de representação, onde o trabalhador possui voz no mercado de trabalho através
de suas entidades representativas
Trabalho intermitente
Outro ponto de destaque negativo da reforma tem relação com o chamado trabalho intermitente. Esse regime permite que o trabalhador seja convocado para períodos esporádicos de trabalho, com a remuneração proporcional às horas trabalhadas e direitos como férias, 13º salário e FGTS calculados de maneira proporcional. O objetivo, diziam, era formalizar atividades que, até então, eram realizadas na informalidade, como os “bicos”, garantindo proteção legal a esses trabalhadores.
Essa modalidade representa o espírito da reforma, como explica a advogada trabalhista Rithelly Eunilla, do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados. “A falta de uma garantia mínima de horas pode resultar em insegurança financeira para os profissionais, que ficam sujeitos à variação de convocações e, em alguns casos, sem qualquer remuneração por longos períodos, apesar do trabalho intermitente atender a necessidade do setor empresarial, é necessário atenção para evitar que esse modelo de contratação não se torne uma porta para a precarização do trabalho”, comenta.
Resultados da reforma trabalhista
O fato é que, além de retirar direitos e fragilizar as relações de trabalho, a reforma trabalhista não ajudou na geração de empregos. Ao contrário. Durante seus anos de aplicação, aliado a uma política neoliberal de Estado durante o governo de Bolsonaro e seu ministro da Economia, paulo Guedes, o desemprego explodiu. Apenas após o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para um terceiro mandato, com propostas protetivas ao trabalhador e de engajamento do Estado em questões sociais, que a economia voltou a crescer e o desemprego, hoje, está no menor patamar da história, abaixo de 6,5%.
O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) acompanhou de perto a reforma trabalhista e seus efeitos. Em nota técnica de dezembro de 2023, os economistas do Dieese concluíram, a partir de estudos, que não houve aumento na oferta de empregos relacionada à reforma.
“Na época, a justificativa do governo Temer e de setores do Congresso Nacional que aprovaram a reforma foi o aumento da geração de postos de trabalho. Com as novas regras, a expectativa era de criação de 6 milhões de empregos e do crescimento da formalização dos trabalhadores. Passados sete anos da reforma trabalhista, os resultados projetados por aqueles que a defendiam, em relação à geração de emprego, formalização e promoção da negociação coletiva, não ocorreram”, afirma.
Diferente do que diziam seus defendores, o que cresceu de fato foi a precarização. “Ao contrário, as mudanças pioraram o cenário do mercado de trabalho, ampliando a precarização e a informalidade, como é possível avaliar em um conjunto bastante relevante de indicadores e de estudos”, completa a nota do Dieese.
Aumento da desigualdade
O fato é que se houve um beneficiário com a reforma, foi o grande empresário. Não à toa, o Brasil segue como um dos países mais desiguais do mundo, líder em concentração de renda. De acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgado em janeiro deste ano, os 5% mais ricos do país concentram 40% da renda nacional. Contudo, esse abismo pode ser ainda maior, já que é praxe de muitos da elite ocultarem patrimônio ou manterem recursos em paraísos fiscais ou offshores.
Outra pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da mesma FGV aponta que a maioria das vagas criadas desde a reforma trabalhista de 2017 foram precárias. Entre julho de 2017 e junho deste ano, os autônomos passaram de 21,7 milhões para 25,4 milhões, crescimento de 17%.
“A saída de crise foram essas pessoas que migraram para a informalidade por alguma necessidade, não por desejo”, afirma Rodolpho Tobler, pesquisador da FGV/Ibre, responsável pelo estudo. “Esses autônomos com renda mais baixa preferem ter carteira assinada e benefícios sociais, o que o terceirizado não tem.”
Por outro lado, as empresas se beneficiaram. “Ao enfraquecer sindicatos, limitar o acesso à Justiça e permitir que os empregadores negociem sem os sindicatos, a reforma desequilibrou as forças e aprofundou a desorganização do mercado de trabalho”, diz o professor de economia da Unicamp José Dari Krein, doutor em economia social do trabalho. “Em um mercado mais vulnerável, crescem os contratos de tempo parcial e o trabalho por conta própria” completa.
Revogação da reforma trabalhista
A partir das análises da reforma trabalhista, não são poucas as vezes que pedem uma revogação total do projeto. Entidades organizadas da sociedade civil e até mesmo membros do Judiciário. Em fevereiro deste ano, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes Corrêa somou vozes pela revogação. Para ele, a reforma trabalhista “abriu as portas para o trabalho escravo”.
Já presidente do TRT4, desembargador Ricardo Martins Costa, também criticou as terceirizações e a reforma trabalhista. “A reforma trabalhista teve um componente precarizante. Claro que, como juiz, nós aplicamos a legislação, mas nós discutimos muito essa forma. Ela foi concebida com uma alegação de gerar mais emprego, mas isso não aconteceu. No momento que você precariza, no momento que você retira direitos, você retira dinheiro da própria economia. Isso ficou demonstrado. Que a contratação, o pleno emprego, é que gera e circula riqueza”, disse.
Ação sindical
Um dos alvos dos ataques da reforma trabalhista, hoje, os sindicatos seguem articulando a defesa dos trabalhadores. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), defende a revogação da matéria. Em maio deste ano, a central chegou a fazer uma série de manifestações neste sentido. Além disso, há uma campanha nacional de coleta de assinaturas para a revogação.
“A lei da Reforma Trabalhista de Michel Temer, que acaba com os direitos trabalhistas, entrará em vigor no dia 11 de novembro de 2017. Para impedir que esta lei nefasta passe a valer, a CUT lançou a Campanha Nacional pela Anulação da Reforma Trabalhista, cujo principal instrumento é um abaixo-assinado em apoio ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) que revoga, ou seja, anula a lei da reforma aprovada por Temer”, informa a central.