Por Luiz Antônio Dias e Vera Lúcia Vieira, do Conselho da Comunidade de Comarca de São Paulo, para a TVT News.
Visitar as unidades prisionais da Comarca de São Paulo deveria ser um exercício cívico para todo cidadão paulistano. Nessas visitas, é possível compreender, de forma concreta, os níveis extremos de degradação a que seres humanos podem ser submetidos por outros, bem como constatar os efeitos diretos das políticas públicas formuladas em gabinetes distantes da realidade, muitas vezes impulsionadas pela pressão midiática em torno do binômio violência e segurança.
No primeiro semestre de 2025, o Brasil contava com um total de 941.752 pessoas em cumprimento de pena no sistema penal, das quais 705.872 estavam em unidades prisionais de regime fechado ou semiaberto, conforme dados oficiais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN).
O Conselho da Comunidade da Comarca de São Paulo – instituído pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), em exercício de sua função fiscalizatória, realiza visitas regulares às unidades prisionais da cidade.
As inspeções revelam um cenário de superlotação crônica, higiene precária, infraestrutura insuficiente e ausência de atendimento básico nas áreas de saúde, educação, assistência social e jurídica. Os apenados convivem com infestações de insetos, doenças não tratadas e alimentação frequentemente insuficiente, azeda ou inadequada, comprometendo sua saúde e dignidade.
Em uma das unidades prisionais recentemente visitadas, reiterou-se o diagnóstico de colapso humanitário que assola todo o sistema prisional, ainda que cada estabelecimento apresente suas particularidades. A superlotação era evidente: havia um excedente de 508 presos, o que representa 188% acima da capacidade prevista.
Embora fatores pontuais, como o fechamento temporário de pavilhões, possam ter contribuído para essa situação, não é uma exceção ou um caso extraordinário. Embora inaceitável, a rotina de violações tornou-se normal, cotidiana. Para ilustrar, havia celas com apenas 12 camas abrigando até 20 presos. Muitos deles permanecem ali em razão da morosidade administrava e/ou judiciária que impede a finalização dos processos ou o encaminhamento para unidades definitivas, quando não a própria liberação.
Joões e Marias encarcerados são frequentemente privados de sua própria humanidade: têm direitos básicos subtraídos e carecem do devido amparo legal. João, condenado a um ano de reclusão pelo crime de receptação — delito considerado de menor gravidade — cumpre pena em regime fechado. Mesmo estando preso há onze meses, não teve reconhecido o direito à progressão de regime, uma vez que o sistema não consegue realizar, em tempo hábil, a análise processual necessária nem efetivar o exame criminológico.
Maria, por sua vez, cumpria pena em regime semiaberto. Durante uma das saídas temporárias, foi abordada à noite em via pública. Não possuía residência fixa: vivia em situação de rua quando foi presa e, ao sair temporariamente, retornou ao único lugar que podia chamar de “casa”. Como consequência, perdeu o benefício do semiaberto e foi reconduzida ao regime fechado.
Amparados pela lei, mas abandonados pelo Estado, permanecem invisibilizados por um sistema que falha em garantir-lhes o mínimo de dignidade.
Relatos do Sistema Prisional
Relatos coletados apontam ainda para práticas abusivas, como a obrigatoriedade de assinar recibos por itens nunca recebidos, sob pena de sanções, e a persistência de revistas íntimas invasivas, mesmo em unidades que já dispõem de scanners corporais. Procedimentos essenciais, como pedidos de remição de pena, de progressão de regime, são frequentemente atrasados por falhas burocráticas, ausência de defensores e problemas logísticos.
As denúncias formalizadas pelo Conselho, acompanhadas de documentação e evidências, têm sido encaminhadas às autoridades competentes. No entanto, as respostas recebidas limitam-se, em geral, a justificativas formais, sem que mudanças estruturais sejam efetivamente promovidas.

Ressalte-se que esta análise em nenhum momento busca minimizar os crimes cometidos pelos apenados, tampouco desconsiderar o sofrimento das vítimas. O que se reivindica, com firmeza, é que o Estado cumpra seu papel dentro dos limites da legalidade e da constitucionalidade, que visam preservar a dignidade humana. Garantir que pessoas privadas de liberdade não sejam submetidas a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes é assegurar que o próprio Estado não incorra em práticas ilícitas sob o pretexto de punir, perpetuando um ciclo de violência institucional que, em vez de promover justiça, apenas reforça a exclusão e a barbárie.
Diante desse quadro, o Conselho da Comunidade alerta para a urgente necessidade de intervenção do poder público no sistema prisional da cidade de São Paulo, sob pena de perpetuar um ciclo de violência institucional e degradação humana que contradiz frontalmente os princípios constitucionais e os compromissos internacionais de direitos humanos assumidos pelo Estado brasileiro.
