Subcidadania laboral e o nível de sindicalização no Brasil: Um ciclo de precarização a ser rompido

Baixo nível de sindicalização é terreno fértil para condições de trabalho precarizadas
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Ascensão de novas modalidades de trabalho exacerbam problema. Foto: Paulo Pinto/ABR

Por Valeir Ertle

Secretário Nacional de Assuntos Jurídicos da CUT Brasil, para a TVT News

A Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (ABRAT) realiza em 29 e 30 de maio, em Maceió, o IX Encontro de Direito Sindical, onde falarei sobre Subcidadania laboral e nível de sindicalização. Esta é uma excelente oportunidade para abordar este fenômeno multifacetado.

O Brasil, apesar dos avanços sociais e econômicos conquistados em diferentes períodos de sua história, ainda se depara com um desafio persistente no mundo do trabalho: a subcidadania laboral e, mais recentemente, com baixos percentuais de sindicalização. O primeiro fenômeno se caracteriza pela privação ou restrição do pleno exercício dos direitos e garantias inerentes ao trabalhador, pelo trabalho informal ou precarizado. O segundo, limita sua capacidade de defender e ampliar direitos e acumular forças para ter uma participação plena na sociedade. Ambos estão umbilicalmente e intrinsecamente ligados e decorrem das transformações no mundo do trabalho e dos sistemáticos ataques à organização sindical.

A fragilização do movimento sindical e a consequente diminuição da representação coletiva dos trabalhadores criam um terreno fértil para a perpetuação de condições de trabalho precarizadas, configurando um ciclo vicioso que urge ser compreendido e rompido. Não nos esqueçamos que o trabalho precário, com resquícios escravagistas, ainda é constatado nas fiscalizações do Ministério Público do Trabalho.

A subcidadania laboral transcende a informalidade, embora esta seja uma de suas manifestações mais visíveis. Ela se manifesta quando o trabalhador, mesmo aquele formalmente empregado, é submetido a condições que o afastam da plenitude dos direitos estabelecidos na Constituição Federal, na legislação trabalhista, nas convenções coletivas. Enfim, quando:

  • Recebe salários ou pagamentos pelos serviços prestados insuficientes para garantir uma vida digna.
  • Está submetido a jornadas de trabalho exaustivas, muitas vezes sem o devido pagamento de horas extras ou respeito aos períodos de descanso.
  • A segurança e a saúde no trabalho são instáveis e insuficientes, resultando em acidentes, doenças ocupacionais e síndromes de todo tipo.
  • Há restrição ou negação de direitos fundamentais como férias, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego, licença-maternidade/paternidade etc.
  • Há dificuldade de acesso à justiça para a defesa de direitos ou para combater abusos.
  • As práticas antissindicais são rotineiras e resultam em fraca organização sindical de base e baixa representatividade nos ambientes de trabalho, impedindo a participação nas decisões que afetam sua vida profissional.

A ascensão de novas modalidades de trabalho, como o trabalho por plataformas digitais (aplicativos de entrega, transporte, etc.) e a crescente “Pejotização” (transformação de empregados em Pessoas Jurídicas) e terceirização têm exacerbado o problema. Nesses cenários, a ausência de um vínculo empregatício formal muitas vezes significa a ausência de direitos trabalhistas básicos, relegando esses trabalhadores a uma condição de extrema vulnerabilidade e, em última instância, de subcidadania.

O Brasil tem observado uma queda significativa na taxa de sindicalização nas últimas décadas e atualmente menos de 15% dos empregados formais são sindicalizados. Percentual que cai pela metade se considerarmos o conjunto da classe trabalhadora. Diversos fatores contribuem para esse declínio, mas a Reforma Trabalhista de 2017 é, sem dúvida, um marco divisor. Ao extinguir a contribuição sindical compulsória sem ter assegurado um sistema de financiamento em seu lugar, a reforma abriu as portas para todo tipo de prática antissindical. Agora, usam fraudes de associações artificialmente criadas contra os aposentados no INSS para atacar o financiamento sindical via contribuições assistenciais ou negociais, praticadas no Brasil desde a década de 1960.

A queda na sindicalização é um fenômeno mundial, derivado das profundas transformações no mundo do trabalho, da proliferação de um individualismo nefasto e da dificuldade das organizações sindicais de atuar nas novas circunstâncias, onde tudo que é sólido desmancha no ar, ou se liquefaz: os contratos de trabalho, quando existem, deixam gradativamente de ser por tempo indeterminado, assim como os casamentos já não são até que a morte os separe.

Os trabalhadores exercem sua profissão em empresas inseridas em cadeias globais, que se apresentam aos trabalhadores de forma fragmentada. A pulverização dos vínculos e a precarização dos contratos dificultam a organização coletiva. O recrudescimento do antissindicalismo patronal, expresso nos sistemáticos ataques à organização sindical e aos direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais, no judiciário, no parlamento e no dia a dia, revela que para conter a superexploração só uma organização sindical forte, representativa e de massas.

Neste novo contexto, ha uma legião de jovens trabalhadores que desconhecem seus direitos e a importância histórica e social do movimento sindical. A percepção que se tem é que grande parte da sociedade padece de um adoecimento social. Milhares acreditam que a terra é plana e outras irracionalidades como Bebê Reborn. Diante da incerteza, da instabilidade e da insegurança na vida e no trabalho, em um mundo marcado pela naturalização da violência, templos religiosos ficam lotados, enriquecendo pastores e lhes conferindo poder político. Basta ver nas mãos de quem está o controle da maioria dos canais de TV abertas no Brasil.

Os massacres contra crianças em Gaza são vistos com a mesma naturalidade dos assassinatos de pobres, de negros e de mulheres nas periferias todos os dias, como mostram os programas sensacionalistas. A desgraça tem sido naturalizada, como revelam as denúncias de trabalhos com resquícios escravagistas. Tudo isso é subcidadania.

Os trabalhadores, destacadamente os informais e precarizados, já não procuram os sindicatos, como passaram a fazer com o novo sindicalismo. Procuram igrejas evangélicas ou buscam proteção dos traficantes em seus territórios que, por vezes, lhes atendem melhor que o Estado. E os sindicatos estão longe dos territórios onde as batalhas pela vida se realizam diariamente.

Não superaremos a subcidadania sem sindicatos fortes e representativos e não teremos estes sindicatos sem que as direções se aproximem de suas bases e passem a atuar unitariamente nos territórios, buscando ampliar sua representação e aumentar sua representatividade. Este tem sido um objetivo estratégico que temos perseguido nas negociações com o governo, com a classe patronal e com o parlamento, cientes que mudanças legislativas apenas não bastam.

Para atrair e manter filiados, os sindicatos precisam se adaptar às novas realidades do trabalho, aproximar-se dos territórios onde vivem os trabalhadores informais, precarizados, autônomos, PJtizados e terceirizados, apresentando-lhes um sindicalismo inovador, ágil, capaz de oferecer serviços relevantes e se comunicar de forma mais eficaz com as novas gerações de trabalhadores.

A relação entre subcidadania laboral e baixa sindicalização é mais que estreita, ela é orgânica. Existe uma relação de causa e efeito inequívoca entre a subcidadania laboral e o baixo nível de sindicalização. Um sindicalismo enfraquecido, com representação fraca e baixa representatividade reduz a força da voz coletiva. Sem sindicatos fortes, os trabalhadores perdem seu principal instrumento de barganha e defesa de seus interesses. A negociação individual, via de regra, favorece o lado mais forte, o empregador.

Sindicatos com fraca presença nos locais e redes de trabalho não têm instrumentos nem força para fiscalizar e denunciar as irregularidades. Sem capacidade de liderar movimentos amplos e falar com o conjunto da classe trabalhadora, as direções sindicais não têm força para influenciar a formulação de políticas públicas e barrar retrocessos legislativos que precarizam o trabalho. Sem falar e ser ouvido pelo conjunto da classe trabalhadora, as centrais sindicais não têm força para contribuir para mudar a correlação de forças no congresso.

Nas circunstâncias desfavoráveis que o movimento sindical tem atuado desde a reforma trabalhista, reverter a subcidadania laboral e a queda nos percentuais de sindicalização tem sido uma tarefa muito difícil. A situação estaria dramática não fosse o acúmulo de forças do sindicalismo no último quarto do século XX, que ungiu a vitória de um líder como Lula em 2002, capaz de superar todos os ataques que sofreu e retornar à Presidência da República. Aquele sindicalismo já não existe mais porque aquela classe trabalhadora deixou de existir. As circunstâncias são outras e demandam um novo sindicalismo, que precisa emergir do interior dos atuais, superando-os.

A expetativa em relação a Lula são imensas. Entretanto, estamos vivendo um parlamentarismo tão informal como o trabalho. A extrema direita e o centro organizaram institucionalmente um cerco ao presidente. A execução orçamentária revela que os presidentes da Câmara e do Senado agem como primeiros ministros. Querem impor o mesmo controle ao Poder Judiciário, que sente a pressão e faz concessões, como tem feito TST e STF sempre que votam questões trabalhistas.

Chama atenção o aumento das decisões monocráticas em questões trabalhistas no STF. De 371 em 2017, para 2,030 em 2019 e 3.030 em 2024. É preciso desvendar os olhos para a realidade social, escutar o que dizem sindicatos e movimentos sociais e voltar a valorizar a Justiça do Trabalho, especializada e com acúmulo de mais de oitenta anos julgando reclamações trabalhistas, previdenciárias e sindicais.

Os sistemáticos ataques enfraquecem os sindicatos. A diminuição da sindicalização cria um vácuo de poder na relação capital-trabalho, tornando os trabalhadores mais suscetíveis à exploração e à violação de seus direitos, empurrando-os para a subcidadania laboral. Por sua vez, trabalhadores nesta condição, fragilizados e com medo de retaliação, têm maior dificuldade de se organizar e se sindicalizar, fechando um ciclo vicioso de precarização.

Para romper esse ciclo e promover a cidadania plena no trabalho, o fortalecimento do movimento sindical é não apenas desejável, mas essencial. Isso implica em:

Reorganização e inovação. Os sindicatos precisam se adaptar às novas realidades do mundo do trabalho, buscando formas de organização que contemplem trabalhadores informais, por plataforma e PJ, oferecendo serviços e benefícios que fidelizem os filiados.

Formação e Conscientização: É fundamental investir em cursos de formação massificados, para os trabalhadores sobre seus direitos, a história das conquistas sociais e a importância da organização coletiva.

Luta pela valorização das negociações coletivas e pela reversão dos retrocessos da Reforma Trabalhista e a construção de um novo arcabouço legal que proteja os trabalhadores, valorize a negociação coletiva e assegure mecanismos justos e transparentes de financiamento das entidades sindicais.

Combate às práticas antissindicais. É preciso denunciar e combater as práticas discriminatórias e repressivas contra a organização sindical, garantindo a liberdade de associação e a soberania das assembleias.

Unidade Interinstitucional. A articulação e a unidade entre as diversas centrais sindicais são fundamentais, mas insuficientes nas atuais circunstâncias. O Fórum Interinstitucional em Defesa dos Direitos Sociais (FIDS), para o qual tem contribuído a ABRAT é essencial para fortalecer a luta e aumentar o poder de pressão.

A subcidadania laboral é uma chaga social que mina a dignidade dos trabalhadores brasileiros e impede o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária. Sua erradicação passa, necessariamente, pelo fortalecimento do movimento sindical, que precisa se reinventar. Um sindicalismo forte, representativo e atuante é a principal garantia de que os trabalhadores terão voz, seus direitos serão respeitados e sua cidadania plena será efetivada no ambiente de trabalho. A luta pela superação da subcidadania laboral e por sindicatos fortes e representativos está indissociável da luta pela democracia e por um futuro mais digno para todos.

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