Uruguai, que já foi Brasil, celebra 200 anos de Independência

Uruguai celebra o Bicentenário com festas oficiais e relembra a luta de Artigas, dos 33 Orientales e a disputa entre Brasil, Argentina e Inglaterra que levou à formação do novo Estado
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Óleo sobre tela "El Juramento de los treinta y tres Orientales" (1877), de Juan Manuel Blanes. Foto: Governo do Uruguai

O Uruguai celebra nesta segunda-feira (25) os 200 anos de sua independência, conquistada em 1825 após uma longa disputa entre os interesses do Império do Brasil e da nascente República Argentina. As comemorações oficiais incluíram concertos, como a apresentação transmitida ao mundo do músico Rubén Rada, e eventos cívicos que reuniram lideranças políticas e culturais para lembrar o processo histórico que resultou na formação do Estado oriental. Leia em TVT News.

As festividades relembraram a luta de um povo que, ao longo do século XIX, enfrentou sucessivos processos de dominação. Desde as primeiras rebeliões lideradas pelo general José Artigas, no início da década de 1810, até a atuação decisiva do grupo conhecido como os 33 Orientales, comandados por Juan Antonio Lavalleja, a região que hoje corresponde ao Uruguai foi palco de conflitos envolvendo Portugal, Brasil, Argentina e até a Inglaterra.

A influência de José Artigas e a Primeira Guerra de Independência

A trajetória de independência uruguaia remonta à chamada Primeira Guerra de Independência (1811–1820), quando a região do Rio da Prata buscava se desvincular do domínio espanhol. Nesse contexto, o general José Gervasio Artigas emergiu como principal liderança, defendendo um projeto federalista que garantisse autonomia às províncias frente a Buenos Aires. Artigas foi considerado o “pai da pátria” uruguaia, mas acabou exilado no Paraguai após a derrota de suas forças diante da ofensiva luso-brasileira.

A ocupação portuguesa consolidou-se em 1821, quando a região foi anexada ao Império do Brasil como Província Cisplatina. A medida atendia tanto aos interesses estratégicos da Coroa portuguesa, que buscava controlar o acesso ao Rio da Prata, quanto às ambições do Brasil independente, que herdou a posse da província após a ruptura com Portugal em 1822.

A ação dos 33 Orientales e a Declaração da Pedra Alta

O domínio brasileiro, contudo, não se consolidou sem resistência. Em abril de 1825, um pequeno grupo de revolucionários, liderados por Juan Antonio Lavalleja, atravessou o Rio Uruguai vindo da Argentina e proclamou a luta pela independência. Eram os chamados 33 Orientales, que se tornaram símbolo da libertação nacional.

No mesmo ano, a Assembleia da Pedra Alta, em Florida, declarou a independência da Cisplatina em relação ao Brasil e sua união às Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina). O gesto desencadeou a Guerra da Cisplatina (1825–1828), colocando frente a frente o Império do Brasil e a Argentina.

A disputa entre Brasil e Argentina e o papel da Inglaterra

A guerra revelou a importância estratégica do território uruguaio. Para o Brasil, tratava-se de garantir sua influência sobre o Rio da Prata; para a Argentina, significava consolidar sua unidade política. O conflito foi marcado por batalhas sangrentas, como a de Ituzaingó, em 1827, na qual as tropas argentinas e orientais obtiveram vantagem militar contra os brasileiros.

Apesar das vitórias no campo de batalha, nenhum dos lados conseguiu impor hegemonia definitiva. A prolongada guerra enfraqueceu tanto o Império brasileiro, que vivia seus primeiros anos de independência, quanto as Províncias Unidas, ainda instáveis politicamente. Nesse cenário, a Inglaterra interveio como mediadora, interessada em preservar a liberdade de navegação e o comércio na bacia do Prata.

O resultado foi a assinatura da Convenção Preliminar de Paz de 1828, que estabeleceu a criação de um novo Estado independente: o Uruguai. Dessa forma, o país nasceu como uma espécie de “estado-tampão”, garantindo o equilíbrio de poder entre Brasil e Argentina, ao mesmo tempo em que atendia às conveniências do Reino Unido, a potência econômica e naval dominante da época.

Memória e identidade nacional

Duzentos anos depois, o bicentenário uruguaio resgata essa trajetória de lutas e negociações diplomáticas. Nas comemorações, a figura de Artigas voltou ao centro do debate, lembrada como inspiração para a resistência popular contra os impérios vizinhos. O grupo dos 33 Orientales, por sua vez, permanece como um símbolo de coragem e determinação diante de forças militares superiores.

As celebrações também destacaram a contribuição cultural do país, que ao longo do tempo consolidou uma identidade própria, marcada pelo tango, pela literatura e por uma vida política democrática que, mesmo interrompida por ditaduras no século XX, se tornou referência no continente.

O bicentenário, portanto, não foi apenas uma festa cívica, mas uma oportunidade para refletir sobre a condição de um país que nasceu em meio a rivalidades regionais e interferências externas, mas conseguiu afirmar sua soberania. Entre Brasil e Argentina, e sob a vigilância da Inglaterra, o Uruguai transformou-se em nação independente, cuja história ecoa até hoje como exemplo da complexa formação dos Estados na América do Sul.

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