A cidade que nunca dorme amanheceu hoje (4) com os olhos do mundo voltados para suas urnas. Nova York escolhe hoje seu novo prefeito. O favorito em todas as pesquisas é um nome que, até pouco tempo atrás, era desconhecido fora dos bairros do Queens: Zohran Mamdani, um jovem deputado estadual, muçulmano, imigrante, socialista e esperança progressista em tempos de radicalismos de extrema direita. Entenda na TVT News.
Apontado como favorito com mais de 40% das intenções de voto, Zohran Mamdani enfrenta o ex-governador Andrew Cuomo, candidato independente, com 28%, e o republicano Curtis Sliwa, com 10%, segundo levantamento do Emerson College divulgado na véspera da eleição. A campanha do jovem democrata é direta, bem humorada e voltada aos menos favorecidos. Ele utiliza de sua fluência e boa oratória, inclusive, para conversar em idiomas diversos com pessoas de comunidades como a latina.
O pleito ocorre em meio ao maior shutdown da história dos Estados Unidos, com o governo federal parcialmente paralisado há 34 dias, e é visto como um termômetro do humor político nacional, especialmente frente ao segundo mandato do presidente extremista Donald Trump, que fez da eleição local uma cruzada pessoal contra o democrata.
Confira ao longo da matéria algumas peças da campanha de Zohran.
Zohran e a identidade de NYC
Zohran Kwame Mamdani tem 34 anos e uma biografia que simboliza o que Nova York representa e Trump e a extrema direita tanto odeiam. Diversidade e reinvenção. Nascido em Kampala, capital de Uganda, ele se mudou para a cidade aos sete anos, filho da aclamada cineasta indiana Mira Nair e do intelectual ugandês Mahmood Mamdani, professor da Universidade Columbia. Fluente em seis idiomas (inglês, hindi, bengali, urdu, árabe e espanhol) cresceu no Queens e fez da cidade seu lar e sua causa.
Antes de entrar para a política, trabalhou como artista de hip-hop e conselheiro habitacional. Em 2021, foi eleito deputado estadual, e sua ascensão foi meteórica. Carismático, direto e didático, Mamdani conquistou uma legião de seguidores nas redes sociais, 1,6 milhão no TikTok, onde seus vídeos somam 23,6 milhões de curtidas.
Foi justamente enquanto corria uma maratona que anunciou, em vídeo, sua candidatura nas primárias democratas à prefeitura. Poucas semanas depois, derrotou Andrew Cuomo com 56% dos votos, abrindo caminho para uma campanha que transformou a política nova-iorquina.
Programa popular
As propostas de Mamdani falam diretamente à classe trabalhadora e à juventude urbana que sente o peso do custo de vida na cidade. Sua plataforma defende transporte público gratuito, congelamento de aluguéis para dois milhões de inquilinos, creches universais e supermercados subsidiados em bairros periféricos.
Em uma Nova York onde o aluguel médio ultrapassa US$ 4 mil por mês, ele se tornou a voz de quem não se sente representado pelos políticos tradicionais. “Francamente, eu não acho que deveríamos ter milionários”, disse, em uma crítica direta aos doadores bilionários que dominam o Partido Democrata.
Além da pauta econômica, Mamdani coloca no centro da campanha o combate ao racismo, à islamofobia e à discriminação contra a população LGBTQIA+. Em um discurso recente no Centro Islâmico do Bronx, declarou:
“O sonho de todo muçulmano é simplesmente ser tratado da mesma forma que qualquer outro nova-iorquino. Por muito tempo, nos disseram para pedir menos do que isso. Chega.”
A reação do establishment
O sucesso de Mamdani causou um verdadeiro terremoto dentro do Partido Democrata. Derrotado nas primárias, Andrew Cuomo, de 67 anos, decidiu concorrer como independente e recebeu o apoio do atual prefeito Eric Adams, que desistiu da reeleição.
Adams afirmou que Mamdani “não respeita o Departamento de Polícia” e “não trata a segurança como prioridade”. Cuomo adotou a mesma linha e fez da segurança pública o eixo de sua campanha, prometendo colocar mais policiais nas ruas e no metrô.
Cuomo tenta se apresentar como o político experiente e pragmático capaz de administrar a cidade. Ele governou o estado de Nova York por 11 anos, legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, aumentou o salário mínimo e liderou reconstruções de infraestrutura. Mas sua carreira também é marcada por escândalos, incluindo uma renúncia forçada em 2021 após acusações de assédio sexual e irregularidades durante a pandemia.
A estratégia de se distanciar do Partido Democrata tradicional e buscar votos entre republicanos moderados ganhou um impulso de peso: o apoio explícito do presidente Donald Trump.
Trump ameaça Nova York
Em um movimento sem precedentes, Trump decidiu interferir diretamente na eleição municipal de sua cidade natal. Na segunda-feira (3), ele publicou na rede Truth Social que os nova-iorquinos deveriam votar em Cuomo para impedir “o comunista Zohran Mamdani” de vencer.
“Se o candidato comunista Zohran Mamdani vencer a eleição, é altamente improvável que eu contribua com fundos federais, além do mínimo exigido, para minha amada cidade natal”, escreveu o presidente.
A declaração soou como uma ameaça aberta de represália financeira. Trump, que já havia chamado Mamdani de “lunático comunista”, comparou o pleito a uma batalha pela alma dos EUA. O presidente também desencorajou o voto no candidato republicano Curtis Sliwa, fundador do grupo de patrulhas “Anjos da Guarda”, afirmando que “um voto em Sliwa é um voto em Mamdani”.
A resposta de Mamdani veio minutos depois, irônico, disparou:
“Andrew Cuomo é o papagaio de Trump nesta corrida. Ouvimos palavras de um ex-governador que imaginávamos vir do presidente. Mas Nova York não se curva a valentões.”
Em comício no Harlem, o democrata conclamou os eleitores a “enfrentar os valentões que ameaçam a cidade”, em clara alusão ao presidente.
O que está em jogo
A eleição em Nova York ultrapassa as fronteiras da cidade. Uma eventual vitória de Zohran Mamdani seria interpretada como uma rejeição às políticas de Trump, uma renovação geracional do Partido Democrata e um marco simbólico: o primeiro prefeito muçulmano e socialista da história da metrópole.
Num país dividido e em meio a uma crise política e econômica sem precedentes, Mamdani representa uma nova forma de fazer política, com linguagem acessível, base digital e foco na vida cotidiana.
Enquanto Trump tenta transformar a disputa local em mais um campo de sua guerra cultural, Nova York parece disposta a responder com sua velha vocação: ser o espelho do futuro.
Hoje, o mundo observa. Se as pesquisas se confirmarem, Zohran Mamdani pode não apenas conquistar a prefeitura da maior cidade dos Estados Unidos, mas também inaugurar uma nova era de esperança progressista e provar que, mesmo em tempos de turbulência, a política pode ser feita com coragem, diversidade e imaginação.
Abaixo: “Democrata para prefeito. Zohran. Por uma Nova York que você consiga pagar”
Risco de represália federal
Um dos elementos mais dramáticos da reta final da campanha: Donald Trump, que mesmo não sendo parte direta da corrida municipal, decidiu intervir com veemência. Trump não apenas fez comentários públicos chamando Mamdani de “comunista” e “lunático comunista”, mas ameaçou rever ou reter verbas federais à cidade caso Mamdani seja eleito.
Em uma publicação em sua rede social, Trump escreveu: “Caso o Candidato Comunista Zohran Mamdani ganhe a Eleição para Prefeito de Nova Iorque, é muito pouco provável que eu vá destinar Verbas Federais, para além do estritamente obrigatório, à minha amada primeira casa.”
Essa ameaça, embora juridicamente problemática (porque o orçamento federal é decidido pelo Congresso e há limitações à capacidade do Presidente de simplesmente impugnar gastos aprovados) trouxe à tona a gravidade do pleito, não apenas para a cidade, mas para todo o sistema político americano.
Mamdani rebateu dizendo que conhece de longa data a aliança entre Cuomo e Trump, acusou o ex-governador de estar alinhado com interesses de doadores e fez questão de ressaltar que não cederá à pressão desse tipo de coerção federal. Em comício ele afirmou que é hora de “finalmente enfrentar os valentões que fazem essas ameaças, e não nos tornarmos os próprios valentões”.
Ameaças de morte
Outro ingrediente que adiciona tensão a esta disputa: Zohran Mamdani foi alvo de sérias ameaças de morte e mensagens de ódio por conta de sua origem, religião e perfil político. Em setembro de 2025, um homem do Texas foi indiciado por deixar mensagens de voz e escritos no escritório de Mamdani no Queens, dizendo frases como “vá de volta para Uganda antes que alguém o atire na cabeça”, “os muçulmanos não pertencem aqui”, “você merece seis pés sob a terra”.
Essas ameaças motivaram reforço de segurança, investigação da Divisão de Crimes de Ódio da NYPD e chamaram a atenção para o nível de vitimização que políticos de perfis não tradicionais vêm enfrentando.
Mamdani afirmou que essas ameaças fazem parte de um clima de ódio que não pode ser normalizado e que sua campanha não se deixará intimidar, inclusive usando o episódio como símbolo de que a política nova-iorquina está em um momento de inflexão.
NYC no centro do mundo
Se Mamdani vencer, será um forte sinal de renovação do Partido Democrata, da ascensão de uma nova geração, de minorias e de perfis diferentes ao poder, além de converter a maior cidade dos EUA em um laboratório de políticas social-progressistas.
Se Trump conseguir influenciar o resultado (direta ou indiretamente) ou se as ameaças de cortes de verba federais se concretizarem, ficará um precedente delicado de como o poder federal pode ser usado para condicionar eleições e políticas locais.
O resultado servirá de termômetro para o humor político nacional: crise econômica, polarização social, custo de vida elevado, insegurança urbana. Tudo isso está em jogo.
Os candidatos
Zohran Mamdani (Democrata)
- 34 anos. Nascido em Kampala, Uganda; filho de mãe indiana (cineasta Mira Nair) e pai ugandês; imigrou para Nova York aos 7 anos.
- Fluente em seis idiomas (inglês, hindi, bengali, urdu, árabe, espanhol) e conhecido por sua presença nas redes sociais (TikTok: 1,6 milhão de seguidores; 23,6 milhões de curtidas).
- Se define como socialista democrático; propõe transporte público gratuito, creches grátis, congelamento de aluguéis para dois milhões de inquilinos, supermercados subsidiados.
- Muçulmano, fala abertamente sobre sua fé e sobre a necessidade de reconhecimento e igualdade para minorias.
- Venceu as primárias democratas derrotando Cuomo com 56% dos votos.
- Tem apoio forte em eleitores que enfrentam custo de vida elevado em Nova York, em especial em moradia.
- Enfrenta críticas da ala tradicional do partido, de setores empresariais e de segurança pública que o consideram “muito à esquerda” ou “excessivamente idealista”.
Andrew Cuomo (Independente)
- 67 anos. Foi governador do Estado de Nova York (2011-2021) e procurador-geral antes disso.
- Experiência administrativa extensa, incluindo reformas significativas no estado.
- Sua imagem foi arranhada por escândalos: assinou contrato para livro sobre pandemia, foi acusado de assédio sexual por 11 mulheres, renunciou em 2021.
- Como candidato agora, aposta em segurança pública — mais policiais nas ruas, fortalecimento da polícia — e na “experiência” como valor.
- Lançou-se como independente após perder a primária; recebeu apoio do prefeito Eric Adams e o endosso de Trump para derrotar Mamdani.
- Atrai eleitores que buscam estabilidade, experiência e não desejam rompimentos radicais.
Curtis Sliwa (Republicano)
- 71 anos. Fundador da organização “Anjos da Guarda” — patrulhas urbanas de segurança — e ativista de longa data na cidade de Nova York.
- Base de campanha centrada em segurança pública, aplicação da lei, e manutenção da ordem; também apela ao sonho americano e à acessibilidade da moradia.
- Sua campanha clama “vamos tornar Nova York segura de novo” e defende um papel mais firme para as agências de imigração (ICE) apenas contra criminosos, não famílias de trabalhadores.
- Apesar do histórico de ativismo, aparece em terceiro nas pesquisas, com apoio reduzido; sua presença funciona muitas vezes como “o candidato da oposição ao sistema”, mas com poucas chances reais de vencer nesta disputa tão polarizada.
