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Especial 7 de setembro: mulheres na política, de Maria Quitéria a Therezinha Zerbini

Sempre bom lembrar que a presença das mulheres na política vem de longe.
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Imagem de arquivo de Therezinha Zerbini, fundadora do Movimento Feminino pela Anistia | Foto: Acervo TVT News

Por Ciça Carboni

Em maio de 2014, Therezinha de Godoy Zerbini recebeu homenagem da Prefeitura de São Paulo pela luta contra a ditadura militar. Ela tinha 86 anos. Entrei em contato com D. Therezinha no final de 2006. Eu tinha acabado de entrar no programa de mestrado da PUC-SP e ela era umas das minhas principais fontes para a pesquisa.

Feito o contato, fui até a casa dela, no bairro do Pacaembu. Therezinha gostava de contar suas histórias e eu estava lá para ouvi-la e voltei algumas vezes. 

Ao final da nossa primeira conversa, ela me convidou  para ficar para o almoço. Respondi que não poderia, então me ofereceu uma banana para que eu não fosse embora de barriga vazia, já que tinha outros compromissos. Da segunda vez, fiquei para o almoço, da terceira vez, acompanhei ela até seu quarto, pois ela se sentia cansada. Fechei a porta e fui embora. E nunca mais vi Dona Therezinha.

Essa senhora que me disse, “pegue ao menos uma banana, pra não ficar de barriga vazia”, era a mesma que tinha sido presa na Operação Bandeirantes, no Dops e no  Presídio Tiradentes. Era a mesma que abrigava estudantes e pessoas que estavam clandestinas na casa dela que se escondem das forças policiais repressivas. Era a mesma que, casada com um general do Exército, provocou a ditadura militar ao organizar o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), em 1975. 

Mesmo enquadrada na Lei de Segurança Nacional e monitorada por serviços de inteligência, Dona Therezinha organizou o movimento e conclamou a soldada Maria Quitéria para luta. 

Em 1977, para intensificar a comunicação com os setores sociais, o MFPA cria o boletim Maria Quitéria, usando a imagem da soldada de saiote, convocando a patrona do Exército a combater o poder arbitrário e masculino, instituído pelo golpe civil militar de 1964.

Quem foi Maria Quitéria

O Exército brasileiro demonstra especial apreço e intimidade com a política brasileira há tempos. Durante as lutas de Independência do Brasil, na Bahia, o então soldado Medeiros foi descoberto porque se feriu em combate e teve que revelar sua maior fragilidade e, ao mesmo tempo, sua  maior potência: ser mulher. 

Inconformada com seu destino, soldado Medeiros, agora Maria Quitéria, parte para a guerra tentando mudá-lo. É reconhecida pela bravura e feitos militares, passa a combater de saiote, contam os relatos. Fim do conflito, independência reconhecida, onde foi parar a independência de Maria Quitéria? Morreu sem mudar seu destino e se tornou a patrona do Exército brasileiro.

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Maria Quitéria: obra que integra o acervo do Museu Paulista da USP | Coleção Fundo Museu Paulista

Maria Quitéria e Therezinha Zerbini: mulheres de luta

Maria Quitéria e Therezinha Zerbini, fizeram suas próprias lutas de independência pessoal, rompendo padrões, pois ousaram ser mulheres que fizeram política e a guerra, impondo seus desejos, de vida e de resistência, palavra batida e sempre pertinente,  quando se pensa na vida de mulheres.

A anistia veio, perdoou quem resistiu ao regime de repressão, mas também quem torturou, sequestrou, matou e desapareceu com corpos. Sobretudo legou uma memória esvaziada, que possibilita a criação de uma farsa, de que naqueles anos vivíamos numa democracia e que hoje servem de alimentação para teorias negacionistas. De fato, a anistia reverbera até hoje, pois produziu e ainda produz ressentimentos pouco esclarecidos. Dona Therezinha dizia que aquela foi a anistia possível, não a ideal, e se orgulhava do combate.

Gosto de pensar que Maria Quitéria, Therezinha e tantas outras vivem entre nós como entidades: nos inspiram, mandam recados, nos fazendo relembrar de nossa natural potência ativa, criadora, afetiva.  Como afirma a ciência encantada, defendida pelo historiador Luis Antonio Simas, “A perspectiva do encantamento é elemento e prática indispensável nas produções de conhecimento. É a partir do encante que os saberes se dinamizam e pegam carona nas asas do vento, encruzando caminhos, atando versos, desenhando gestos, soprando sons, assentando chãos e encarnando corpos. “ (SIMAS E RUFINO,2018, pag. 12-13).  Quando enchemos de vida a morte, essas mulheres permanecem vivas simbolicamente, seguem encantadas, restituídas de suas potências.

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 Reprodução do Boletim Maria Quitéria, do Movimento Feminino pela Anistia

A atuação política de Therezinha Zerbini não parou depois da anistia. Ela seguiu como colaboradora de Leonel  Brizola, inclusive na fundação do PDT e como uma cidadã ativa na vida política brasileira, até seu encantamento em março de 2015.

Leia mais do especial 07 de setembro:

Sobre a autora

Ciça Carboni é jornalista, documentarista e professora do Centro Universitário das Americas – FAM. Doutora em Comunicação e Semiótica pelo COS/PUC-SP e autora do livro – Quem sabia já morreu.

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