Conselho da Unesp critica redução da carga horária das ciências humanas

Moção se une a outras manifestações de pesquisadores que pedem a revogação da redução de aulas de filosofia, geografia e sociologia
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Decisão reduz em até 52% carga horária das ciências humanas. Foto: GOVSP

A decisão da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) de reorganizar o currículo do ensino fundamental e do ensino médio e reduzir em até 52% a carga horária das ciências humanas continua gerando polêmicas. Só este ano houve pelo menos duas manifestações públicas por parte de docentes e estudiosos da área da educação tecendo críticas e solicitando alterações.

A primeira manifestação, intitulada “Redução das ciências humanas na Rede Estadual Paulista – nota técnica”, apresentou uma detalhada análise do planejamento para o currículo do ensino médio público paulista para este ano. Divulgado em janeiro, a nota técnica foi organizada pela Rede Escola Pública e Universidade (Repu), que é integrada por professores e pesquisadores das universidades públicas do Estado e do Instituto Federal de São Paulo, além de organizações como a Associação Nacional de História, a Associação dos Geógrafos Brasileiros, a Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais e o Grupo Escola Pública e Democracia.

Posteriormente, em meados de fevereiro, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária (Cepe) da Unesp aprovou uma moção pública de repúdio ao mesmo planejamento, que foi anunciado ainda em 2024 pela Resolução N° 84 da Seduc. Em comum, as duas manifestações questionaram as mudanças apresentadas pela normativa e solicitaram a revogação da redução da carga horária em ciências humanas.

“O Cepe solicita, por unanimidade, a revogação da Resolução Seduc N° 84, de 31/10/2024, que estabelece as diretrizes para a organização curricular do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino de São Paulo. O Cepe é contrário às políticas públicas que reduzem a carga horária e o currículo de disciplinas das Ciências Humanas, que promovem o pensamento crítico, visto que tal ação contribui, em grande medida, para a desprofissionalização docente nas áreas das humanidades. O direito à educação pública precisa ser afirmado com políticas que valorizem todas as áreas de conhecimento e o emprego dos profissionais da educação, garantindo aos nossos estudantes o acesso a todas as áreas do conhecimento”, diz a moção, aprovada em 21 de fevereiro.

A nota técnica apontou incongruências entre a normativa da Seduc e a lei federal 14.945/2024, que orientava os governos estaduais a procederem a uma recomposição das cargas horárias destinadas às aulas de humanidades, que havia sido reduzida em decorrência da introdução do chamado Novo Ensino Médio a partir de 2017. E abordou também a redução das cargas horárias em história e geografia para o ensino fundamental, também estipulado pela Seduc. “Reformas educacionais que contrariam evidências científicas e, de forma deliberada, estreitam a formação científico-humanística dos/as estudantes e pioram as condições de trabalho dos/as professores/as não produzem bons resultados educacionais”, dizem os autores.

Disciplinas obrigatórias perderam espaço

As ciências humanas oferecidas no ensino médio correspondem às disciplinas de história, geografia, filosofia e sociologia. Estas duas últimas se tornaram disciplinas obrigatórias a partir de 2008. Segundo o Ministério da Educação (MEC), a inclusão destas disciplinas no currículo favoreceu a formação crítica e cidadã dos estudantes, e visa contribuir para o desenvolvimento da autonomia intelectual e da formação ética.

No entanto, segundo mostra a nota técnica, a Resolução nº 84 termina por impor reduções na carga horária para estas disciplinas. Em comparação com a grade horária de 2020, a redução pode chegar a 22% no caso dos estudantes de tempo integral, 35% no caso dos estudantes de tempo parcial diurno e 52% para aqueles matriculados na Educação de Jovens e Adultos do período noturno. A normativa remaneja horários de aula das humanidades para destiná-los à implementação dos itinerários formativos — um conjunto de disciplinas e atividades que permitem aos alunos aprofundar seus conhecimentos em áreas específicas — e à inclusão de novas matérias: Redação e Leitura e Educação Financeira, vinculadas às áreas de língua portuguesa e matemática, respectivamente.

As mudanças previstas para 2025

A reforma do ensino médio, introduzida pela Lei nº 13.415/2017, reduziu drasticamente a carga horária da Formação Geral Básica, de 2.700 para 1.800 horas. A medida foi amplamente criticada, levando o Governo Federal e o estado de São Paulo a proporem uma nova reformulação. No caso paulista, a Resolução nº 84 da Seduc propõe aumentar a carga horária da matriz curricular básica para 2.400 horas. Nos cursos profissionalizantes e técnicos, esse total pode ser reduzido para 2.100 horas. Além disso, serão implementadas 600 horas destinadas aos itinerários formativos.

A distribuição dessa carga horária ao longo dos três anos do ensino médio reduz progressivamente o tempo dedicado à Formação Geral Básica (FGB). No primeiro ano, a FGB terá 933 horas e os itinerários formativos (IF), 67 horas. No segundo ano, a FGB será reduzida para 900 horas, enquanto os IFs aumentarão para 100 horas. No terceiro ano, a FGB contará com apenas 567 horas, enquanto os IFs somarão 433 horas.

Essa redução drástica no último ano do ensino médio – etapa crucial para a preparação dos alunos para o ingresso na universidade – é uma das principais críticas à proposta. Além disso, em vez de ampliar a carga horária para acomodar as novas disciplinas de Redação e Leitura e Educação Financeira, a resolução opta por redistribuir as horas já existentes, reduzindo em até 333 horas o espaço das outras disciplinas. A resolução prevê aulas de filosofia apenas no primeiro ano do ensino médio; o mesmo ocorre com as aulas de sociologia que estão presentes somente no segundo ano, já geografia ficará ausente no terceiro ano de formação.

Segundo os dados apresentados pela Repu, desde 2020, no estado de São Paulo, as disciplinas de filosofia e sociologia tiveram uma redução de 62,9%, enquanto geografia perdeu 25,9% da sua carga horária. Entre 2020 e 2025, a diminuição total das ciências humanas chega a 35,1%, representando um corte de 253 horas na formação dos estudantes.

Tânia Barbosa Martins, docente do Departamento de Administração e Supervisão Escolar da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, câmpus de Marília, foi a autora da proposta de moção do Cepe que solicitou a revogação da normativa. Ela critica a justificativa oficial de que a redução das ciências humanas e a inserção de itinerários formativos favoreça a qualificação dos jovens para o mercado de trabalho.

“Por exemplo, o quinto itinerário técnico-profissionalizante proposto [relacionado a promoção de cursos] é, na verdade, uma forma pseudoprofissionalizante, pois não cria uma habilitação técnica para atuar em determinada área profissional. São oferecidos apenas cursos de curta duração que não promovem nenhuma qualificação consistente ao estudante”, diz.

Para a docente, a reforma buscou introduzir a lógica empresarial no sistema educacional, promovendo “ações de empresariamento da educação fundamentada nas noções de competências, empreendedorismo, empregabilidade, profissionalização e flexibilização dos currículos para atender a forma precarizada do mercado de trabalho”. Essa abordagem pode precarizar ainda mais o ensino e levar os alunos a ingressarem em empregos informais e sem perspectivas de progressão profissional.

Outro impacto apontado pela professora é o aumento da desigualdade entre escolas públicas e privadas. Enquanto as escolas particulares mantêm a carga horária das ciências humanas e não aderem integralmente às mudanças, seus alunos terão vantagem nos vestibulares e em outros processos seletivos para o ensino superior, onde essas disciplinas são amplamente cobradas. E essa disparidade pode se refletir no acesso ao mercado de trabalho. “As empresas necessitam de trabalhadores com formação científica, cultural e técnico-profissional de alto nível para se manterem competitivas. A retirada de disciplinas que promovem um olhar crítico e contextualizado sobre a realidade compromete esse objetivo.”

Impacto no ensino e na docência

A resolução da Seduc não impacta apenas os alunos, mas também os professores da rede pública estadual, pois a redução da carga horária das ciências humanas resulta em menos vagas para docentes dessas áreas, agravando a desvalorização da profissão.

Martins ressalta que, apesar do discurso oficial de valorização da educação, na prática os professores enfrentam baixos salários, falta de plano de carreira e condições precárias de trabalho. Segundo dados do instituto Todos pela Educação, o número de contratos temporários de professores na rede estadual subiu de 31,1% em 2013 para 51,6% em 2024, enquanto os profissionais concursados caíram de 68,4% para 46,5%.

Via Jornal da Unifesp

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