A cineasta Petra Costa, conhecida por sua análise do cenário político nacional no documentário Democracia em Vertigem (2019), está de volta com uma nova obra digna de debate. O filme Apocalipse nos Trópicos, que estreou mundialmente na Netflix na segunda-feira (14), mergulha na intersecção entre o fundamentalismo religioso e a extrema direita no Brasil. Saiba mais sobre o longa na TVT News.
Com 110 minutos de duração, o filme parte de uma inquietação pessoal da diretora, que revela ter lido a Bíblia pela primeira vez durante a produção. Essa jornada de autodescoberta é refletida em uma narração em primeira pessoa que, segundo a crítica, confere à obra uma abordagem mais “inquisitiva, honesta e esclarecedora” em comparação com seu trabalho anterior, indicado ao Oscar em 2020.
Apocalipse nos Trópicos, que nos Estados Unidos conta com o envolvimento da empresa de Brad Pitt, investiga uma questão provocadora: “quando acaba uma democracia e começa uma teocracia?”
A ascensão evangélica na política brasileira

O documentário Apocalipse nos Trópicos destaca o avanço do número de evangélicos no Brasil, que saltou de 5% para mais de 30% da população em apenas 40 anos.
A cineasta sugere que esse crescimento, que foi de 129% durante os governos do PT, se deveu em parte à ausência da esquerda nas comunidades e à capacidade da Igreja Evangélica de capitalizar e levar “parte do crédito” por políticas de Estado, como a redistribuição de renda. Hoje, a bancada evangélica no Congresso Nacional representa cerca de 20% das cadeiras.
A produção dá especial atenção a figuras-chave desse movimento, sendo o pastor neopentecostal Silas Malafaia o principal “protagonista”. Malafaia, que apoiou o presidente Lula em 2002 antes de se tornar um “grande cabo eleitoral” de Jair Bolsonaro, é retratado como o “pára-raios” dessa reviravolta que recolocou o cristianismo no centro da política nacional. O filme explora as contradições do pastor, que chega a criticar a postura de Bolsonaro após a eleição, chamando-o de “omisso, covarde” e “porcaria de líder”.
A produção também traz entrevistas com outros nomes proeminentes, como Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado desde o período pré-eleições de 2022, e o próprio Jair Bolsonaro. Malafaia defende o ex-presidente como um “escolhido de Deus”, cuja “falta de capacidade é justamente o que lhe permite se tornar um instrumento de Deus”. A obra também apresenta o deputado e pastor Cabo Daciolo, que em 2016 já abençoava parlamentares no Congresso, reforçando a ideia de que “É Deus que decide” os votos.
Apocalipse nos Trópicos vai além das fronteiras brasileiras, revelando a significativa influência dos Estados Unidos no fomento do evangelismo no país. O documentário detalha a atuação do grupo de lobby “The Family” (A Família), que enviou “missionários americanos” para o Congresso Brasileiro durante a ditadura militar (1964-1985). O objetivo era neutralizar a Teologia da Libertação católica, vista como uma ameaça de esquerda, buscando converter congressistas e transformar o Brasil em uma nação evangélica.
A obra também estabelece paralelos com a política dos EUA sob o governo de Donald Trump, que questionou a divisão entre Estado e fé, influenciando leis e criando um Escritório de Fé na Casa Branca. Petra Costa explora a doutrina do dominionismo, que prega que os cristãos devem assumir o poder, uma visão perigosa que pode ameaçar os direitos das minorias em uma democracia.
Em um momento de conversa com Lula em Apocalipse nos Trópicos, o então candidato à Presidência, tentou explicar o motivo da Igreja Evangélica ter tido um expressivo crescimento nos últimos anos.
Segundo ele, “Um trabalhador, ele tá desempregado, ele vai no sindicato e o sindicato fica dizendo “Olha, companheiro, é preciso se organizar dentro da fábrica, a gente vai ter que fazer greve, a gente vai ter que lutar, a gente vai ter que protestar”. O cara vai falar: “Eu vim aqui só porque eu perdi o emprego, o cara quer que eu faça uma revolução”. […] Aí o cara chega na Teologia da Prosperidade e tem duas palavras: “O problema é o Diabo e a solução é Jesus”. É muito simples. “Você tá desempregado porque o Diabo entrou na tua vida, e a saída é Jesus.” E o cara sai de lá confortado: “Porra, alguém me disse que eu tenho chance”.
Com informações do Brasil de Fato e GZH
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