Bolsonaro deve pedir prisão domiciliar por idade e doenças. Entenda se é possível

Histórico de atleta: embora seja uma estratégia lógica de Bolsonaro frente aos mais de 27 anos de prisão, benefício não é tão simples assim
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Histórico de atleta: Advogado destaca que o laudo particular, como o assinado pelo cirurgião Cláudio Birolini, que acompanha Bolsonaro, é apenas um ponto de partida Foto; Tânia Rêgo/Agência Brasil

O diagnóstico de carcinoma de células escamosas “in situ” em Jair Bolsonaro, confirmado por seu médico pessoal após a retirada de lesões na pele, trouxe o debate sobre os limites da prisão domiciliar em casos de doença. No caso do ex-presidente golpista, não será necessário sequer tratamento, como quimioterapia, uma vez que a remoção das pintas na pele foi o suficiente. Mas agora, ele pode ter o benefício? Entenda na TVT News.

Condenado a 27 anos e três meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente cumpre atualmente pena em regime domiciliar provisório (como forma de medida cautelar, para evitar que ele fraude investigações em curso), mas sua defesa deve apresentar novo atestado médico à Justiça para manter o benefício, mesmo condenado. A pergunta que se impõe é: o diagnóstico de câncer garante o direito à prisão domiciliar? Não é bem assim.

Segundo a legislação penal brasileira, a resposta é não. Ao menos automaticamente. A prisão domiciliar por motivo de saúde é uma medida excepcional, condicionada à gravidade da doença e à impossibilidade de tratamento adequado no sistema penitenciário.

“A constatação de um diagnóstico de câncer não conduz, automaticamente, à concessão da prisão domiciliar, a análise deve considerar a gravidade do quadro clínico, o estágio da enfermidade, o tratamento necessário e, sobretudo, a capacidade do sistema prisional de ofertar esse tratamento de forma tempestiva, contínua e eficaz”, explica o advogado criminalista dr. Abdib Abdouni.

“Em outras palavras, o critério jurídico para a substituição da prisão por domiciliar é a inadequação do ambiente carcerário às exigências médicas do paciente, o que deve ser verificado em cada caso, mediante prova técnica específica”, completa o jurista, em entrevista para a TVT News.

O que diz a lei

A previsão legal para concessão de prisão domiciliar por razões médicas está no artigo 117 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), que determina:

“Poderá o juiz da execução permitir ao condenado o cumprimento da pena em residência particular, nas seguintes hipóteses: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; (…)”

O termo “doença grave” não é detalhado pela legislação, cabendo ao juiz avaliar caso a caso, com base em laudos médicos e na estrutura disponível para tratamento no sistema prisional. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça tem reforçado que não basta o diagnóstico da doença, é preciso comprovar que o tratamento não pode ser feito no cárcere, sem risco à vida ou à dignidade do preso.

Nesse ponto, o artigo 318 do Código de Processo Penal também é relevante. Ele permite ao juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar em situações excepcionais, inclusive por motivo de doença grave. A lógica é semelhante na fase de execução penal, ainda que o condenado já esteja cumprindo pena definitiva.

Perícia oficial

Para o advogado criminalista Ilmar Muniz, especialista em direito penal, o procedimento jurídico exige cautela e respaldo técnico imparcial. “O pedido geralmente parte da defesa, que apresenta ao juiz da execução penal um requerimento acompanhado do laudo médico. O Ministério Público é intimado para se manifestar, e o juiz pode determinar perícia complementar ou encaminhar o preso ao Instituto Médico Legal (IML) ou a um hospital público de referência para avaliação”, explica Muniz.

O advogado destaca que o laudo particular, como o assinado pelo cirurgião Cláudio Birolini, que acompanha Bolsonaro, é apenas um ponto de partida. “O magistrado não está vinculado automaticamente ao laudo apresentado pela defesa. Normalmente, ele requisita um laudo oficial, elaborado por médicos vinculados ao sistema público ou ao IML, justamente para assegurar a imparcialidade da análise”, afirma.

“Doença grave”

O carcinoma de células escamosas, segundo o próprio boletim médico, foi diagnosticado em estágio inicial e tratado com a simples retirada das lesões, sem necessidade de quimioterapia, radioterapia ou medicação contínua. De acordo com Birolini, “o problema está resolvido” e não há “tratamento coadjuvante necessário no momento”, apenas acompanhamento periódico.

Essa característica reduz significativamente a possibilidade de o câncer ser considerado um impedimento ao cumprimento da pena, segundo os critérios legais.

“O simples diagnóstico de câncer não garante prisão domiciliar”, reforça Ilmar Muniz. “A lei não prevê que o simples diagnóstico de câncer seja suficiente. O critério é a gravidade e a possibilidade (ou não) de tratamento dentro do sistema prisional. Se a doença puder ser acompanhada e tratada adequadamente no presídio ou em hospitais vinculados ao Estado, a prisão domiciliar não se aplica.”

Além disso, o carcinoma do tipo identificado em Bolsonaro não afeta o sistema imunológico de forma grave nem exige internações recorrentes, diferentemente de tumores metastáticos, por exemplo, que costumam justificar a medida.

E se a doença evoluir?

Caso novas lesões surjam ou o câncer apresente evolução agressiva, a defesa poderá renovar o pedido com base em novos laudos. Nessa hipótese, a administração penitenciária também pode, por conta própria, comunicar à Justiça a impossibilidade de oferecer tratamento adequado, o que abriria caminho para revisão das condições de custódia.

Ainda assim, o processo seguirá os trâmites legais: manifestação do Ministério Público, perícia oficial e decisão judicial fundamentada.

“O laudo da defesa serve como indício inicial, mas quase sempre é necessário que a Justiça confirme a gravidade da doença por meio de perícia oficial”, detalha Muniz.

Sistema prisional

Embora a lei exija que o tratamento seja possível dentro do sistema carcerário, a realidade é diferente. Segundo Muniz, “na prática, o tratamento é bastante precário. O preso depende do encaminhamento da unidade prisional para hospitais públicos de referência. Há dificuldades logísticas, falta de escolta, demora em consultas e exames, e escassez de medicamentos”.

Essas deficiências muitas vezes levam a judicializações individuais, com pedidos de liminar para acesso a exames, remédios ou internações. Porém, isso só reforça a necessidade de avaliação técnica caso a caso, sem presunção automática de que qualquer diagnóstico enseja prisão domiciliar.

Bolsonaro pode usar a desculpa?

Sim, mas não com garantia de sucesso. O diagnóstico serve para instruir um pedido, mas não é suficiente por si só para justificar a manutenção ou a concessão de prisão domiciliar. Como destaca Ilmar Muniz, “não é caso de um diagnóstico grave ou incapacitante, ao menos até o momento. O tipo de câncer identificado é comum e, quando tratado de forma precoce, como ocorreu, tem prognóstico favorável”.

Nesse contexto, a prisão domiciliar de Bolsonaro não parece juridicamente sustentada por seu quadro clínico atual, ainda que a avaliação definitiva dependa de perícia oficial, caso a defesa insista nesse caminho.

Conclusão

A possibilidade de Bolsonaro continuar em prisão domiciliar por causa do câncer depende de dois fatores principais: a gravidade da doença e a impossibilidade de tratamento no sistema prisional. No estado atual do diagnóstico, carcinoma de células escamosas “in situ”, tratado cirurgicamente e sem complicações, a concessão da domiciliar não encontra respaldo legal sólido.

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