Direita no Senado quer excluir crimes contra a democracia do Código Penal

Articulada pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG), mudança na Lei que tipifica crimes contra Estado Democrático de Direito beneficiaria Bolsonaro e generais golpistas
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Senador argumenta que a lei teria sofrido “aplicações excessivas”. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Uma nova ofensiva da oposição no Senado busca revogar dispositivos centrais da Lei 14.197/2021 — norma que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional e tipificou no Código Penal os crimes contra o Estado Democrático de Direito, base das condenações pelo golpe pós-eleições de 2022. Leia em TVT News.

A articulação, capitaneada pelo Carlos Viana (Podemos-MG), protocolada em 25 de novembro de 2025, pretende revogar os artigos introduzidos em 2021 — sob a justificativa de que a lei teria aberto espaço a “interpretações amplas, imprecisas e desproporcionais”, gerando “resultados distorcidos” e ferindo a segurança jurídica. O senador afirma que a proposta mira a lei em si, não pessoas, e que sua revisão seria uma “medida de justiça, coragem e responsabilidade legislativa”.

Mas, na prática, a revogação desses dispositivos equivaleria a excluir do Código Penal os crimes contra as instituições democráticas — crimes como “golpe de Estado” e “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” (entre outros).

A Lei 14.197/2021 foi sancionada em setembro daquele ano, substituindo a antiga Lei de Segurança Nacional — um marco importante, pois pela primeira vez a legislação penal brasileira passou a tratar de forma clara atos de ameaça ao Estado democrático de Direito.

Foi com base nessa lei que, em 2025, a Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o Jair Bolsonaro por crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022 — inclusive pelos crimes tipificados no Código Penal pela Lei 14.197. A pena: 27 anos e 3 meses de prisão.

Além disso, a lei vem servindo como base jurídica para processos e condenações de militares e outras pessoas envolvidas na trama golpista e nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.

Portanto, mudar retroativamente a lei — desfigurando a tipificação dos crimes — representaria uma manobra clara de anistia ou perdão institucional disfarçado, com potencial para livrar condenados por atos contra a democracia.

Os motivos declarados pela oposição — e os riscos reais

Os defensores do projeto, como o próprio Carlos Viana, argumentam que a lei de 2021 teria sofrido “aplicações excessivas”, com decisões que ultrapassaram os limites constitucionais, segundo eles. A proposta busca restabelecer “clareza, limites e segurança jurídica” para evitar o que consideram “criminalização genérica” de condutas políticas.

Em alguns casos, outro senador, Marcos Pontes (PL-SP), chegou a apresentar projeto independente com o mesmo objetivo de “cancelar” o trecho do Código Penal que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito — ou seja, a revogação não se limita à proposta de Viana.

Mas a consequência clara dessa revogação seria: a volta da impunidade — institucionalizada. Golpes, ameaças ao Estado democrático, atos de violência política e antidemocrática poderiam deixar de ser punidos com o rigor exigido até agora.

Além disso, esse movimento ocorre justamente após a prisão de um ex-presidente e de generais envolvidos em conspiração — o que torna evidente que não se trata de um debate técnico ou jurídico abstrato, mas de um ataque direto ao Estado de Direito.

Juristas ouvidos pela imprensa alertam que conceder anistia ou favorecer revogações em crimes contra a democracia é “um mau exemplo para o país” e coloca em risco o funcionamento normal das instituições — abrindo precedentes perigosos para novas tentativas de subversão política.

Porque o momento e o contexto tornam a proposta ainda mais grave

A movimentação de Viana e de outros parlamentares se dá em momento extremamente sensível: a condenação de Bolsonaro e de envolvidos no golpe transcorre no STF, é histórica e se tornou emblemática da necessidade de responsabilização por crimes que atentam contra o Estado democrático.

Ao mesmo tempo, há um impasse na Câmara sobre projetos de anistia ou dosimetria de penas — o que torna o Senado um caminho estratégico para tentar salvar condenados sem enfrentar os entraves da Câmara.

Essa combinação — condenações históricas + revogação da lei que as embasou — reforça a ideia de que estamos diante de uma ofensiva institucional para reescrever as regras do jogo em favor de quem tentou derrubar a democracia.

Se o PL for aprovado, corre-se o risco real de institucionalizar a impunidade: crimes de golpe de Estado, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, de incitação ou apoio a milícias e organizações armadas poderiam tornar-se juridicamente irrelevantes.

Isso representaria, mais do que uma derrota momentânea — um retrocesso histórico no esforço de consolidar o Estado democrático no Brasil. Significaria afirmar que, mesmo após condenações, atos antidemocráticos podem ser simplesmente “desfeitos” por cambalhotas legislativas.

É um alerta urgente para a sociedade civil, movimentos de direitos humanos, partidos democratas, juristas e cidadãos comprometidos com a justiça: não dá para naturalizar esse tipo de ofensiva. A memória dos ataques à democracia e a tentativa de golpe não podem ser rasgadas com uma assinatura de PL.

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