Em entrevista ao Jornal TVT News Primeira Edição, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) fez um relato duro sobre o que chamou de “uma das semanas mais nefastas do Parlamento recente”. Entre a aprovação da chamada “PEC da dosimetria”, a não cassação de Carla Zambelli (PL-SP) e a suspensão por seis meses do colega Glauber Braga (PSOL-RJ), o parlamentar descreveu um ambiente de acordos obscuros, atropelos regimentais, repressão à imprensa e tentativas explícitas de blindar golpistas.
Logo no início da entrevista, Alencar resumiu o clima da Câmara: “Aqui é um perigo. Final de ano eles podem enfiar um canhão extra pauta a qualquer momento.” Segundo o deputado, o suposto racha no PL — que culminou com a demissão pública de Bibo Nunes e a articulação para colocar Eduardo Bolsonaro como vice-líder — serviu apenas como cortina de fumaça. “Quando eles brigam, a gente até torce. Mas quando selam acordo, coisas muito nefastas acontecem.”
A “plástica” do projeto de Paulinho
Chico Alencar diz que a PEC aprovada pela Câmara não tem outro objetivo senão favorecer golpistas condenados e investigados pelos atos de 8 de janeiro. Ele descreve o texto relatado por Paulinho da Força (Solidariedade-SP) como uma “adulteração” de um projeto originalmente apresentado por Marcelo Crivella — uma anistia ampla e direta aos envolvidos na tentativa de golpe.
“O Paulinho não podia fazer um substitutivo com matéria estranha ao projeto original, mas fez. Transformou em um projeto de redução de penas, um drible no regimento”, afirmou. Segundo Alencar, o texto não só alivia penas de golpistas, incluindo generais e o ex-presidente Jair Bolsonaro, como também abre brechas que podem beneficiar “sequestradores, traficantes e outros criminosos”.
“É um prêmio a quem atenta contra o Estado Democrático de Direito”, resumiu. Ele afirma ter sido informado de que movimentos sociais e entidades estão convocando manifestações nacionais contra a medida.
Sessão secreta
Ao relatar os episódios da noite em que a suspensão de Glauber Braga foi colocada em votação, Chico descreveu um cenário inédito de autoritarismo. Para ele, parte da crise foi fabricada pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da sessão, cuja “necessidade de autoafirmação” teria levado a decisões “absolutamente autoritárias”.
Segundo o parlamentar, assessores e jornalistas foram expulsos do plenário; a sessão se tornou, na prática, secreta; a Polícia Legislativa bloqueou acessos e tentou entrar em formação de choque; até deputados tiveram sua circulação limitada.
“Tinha tropa de choque dentro da Câmara. Até nós, parlamentares, fomos impedidos de circular”, relatou. “A imprensa foi retirada para não registrar cenas de brutalidade.”
O deputado comparou o tratamento dado a Glauber ao episódio em que bolsonaristas ocuparam a mesa diretora por dois dias, em agosto, sem que houvesse qualquer reação institucional. “Dois pesos e duas medidas”, afirmou. “A truculência ficou evidente.”
Como a cassação de Glauber virou suspensão
Chico negou a existência de qualquer acordo do PSOL com a direita para poupar Glauber, tese levantada por parte da imprensa. “Não houve acordo nenhum”, disse. Pelo contrário: Zé Trovão chegou a chamá-los de “canalhas incoerentes” porque a bancada votou pela cassação de Zambelli e se opôs à punição do deputado do PSOL.
O parlamentar explicou que a direita começou a vacilar ao perceber que não tinha votos suficientes para chegar aos 257 necessários para a cassação. Em uma votação preliminar, chegaram apenas a 245. “Muita gente do centrão estava desconfortável. Cassar mandato é medida extrema.”
A partir disso, emergiu a proposta de punir Glauber com suspensão — uma solução que, embora injusta na avaliação do PSOL, era preferível ao risco de torná-lo inelegível por oito anos. O resultado final foi uma suspensão de seis meses.
Lira irritado
Chico afirmou ainda que Arthur Lira (PP-AL) estaria “irritadíssimo” com Hugo Motta por pautar a cassação sem garantia de vitória. Segundo ele, Lira ligou pessoalmente para diversos deputados pedindo que votassem pela cassação integral, pois considerava a suspensão uma afronta à sua autoridade.
“O jogo fugiu ao controle dos chefões”, disse o deputado. “Alguns aqui não têm tanto poder quanto imaginavam.”
“Bancada de foragidos”, diz Chico Alencar
O PSOL votou pela cassação de Carla Zambelli, mas a deputada — atualmente presa na Itália após fugir — segue oficialmente no cargo. Chico apontou o absurdo institucional: “Estamos criando não só uma bancada de foragidos, mas uma bancada de deputados honoríficos. Não exercem mandato, mas têm salário, gabinete, tudo funcionando.”
O caso se repete com o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), também condenado pelo Supremo, mas ainda oficialmente parlamentar.
“Que a sociedade reaja”
Ao final da entrevista, Chico Alencar afirmou esperar que a mobilização social impeça que a “anistia fake” avance no Senado. “É um retrocesso gravíssimo”, concluiu. “Tomara que a sociedade reaja.”
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