Anistia a golpistas avança na Câmara sob risco de crise institucional

"Eles querem trabalhar para o caos", afirma o deputado Henrique Vieira (Psol-RJ)
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Pressionado por ala bolsonarista, Motta quer evitar atrito com o STF. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) julga processos relacionados à tentativa de golpe de 8 de janeiro, uma movimentação nos bastidores da Câmara dos Deputados preocupa defensores da democracia: a possibilidade de votação de um projeto de anistia a envolvidos nos ataques antidemocráticos, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em entrevista ao Jornal TVT News Primeira Edição, o deputado federal Henrique Vieira (Psol-RJ) alertou para os riscos dessa iniciativa, classificando-a como “inconstitucional” e “planejada para o caos”.

De acordo com informações apuradas pela reportagem, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), estaria sinalizando a líderes do governo que, “se houver votos e clima”, não segurará a votação da anistia. Líderes do centrão acreditam que os votos para aprovar a medida sempre existiram e que Motta buscaria o momento ideal para evitar atritos com o STF. Há expectativa de que a proposta seja colocada em pauta dentro de duas semanas – coincidindo com o possível desfecho do julgamento de Bolsonaro no Supremo.

“Eles querem trabalhar para o caos”

O deputado Henrique Vieira, que foi membro titular da CPI do 8 de Janeiro, avaliou que a estratégia da oposição é clara: aprovar uma lei inconstitucional sabendo que será barrada pelo STF, para depois alimentar a narrativa de “ditadura do judiciário”.

“Eles sabem que é inconstitucional, sabem que o STF vai fazer o devido controle de constitucionalidade. Eles querem trabalhar para o caos. É o terreno que eles querem chegar para dizer à sociedade que há no Brasil uma suposta ditadura do judiciário. Tá tudo, na minha opinião, planejado”, afirmou Vieira.

O parlamentar destacou que, após a provável condenação de Bolsonaro, a direita radical já tem um discurso pronto para acirrar os ânimos dentro e fora do país. “Cabe ao campo democrático ter muita capacidade de articulação, mas sobretudo de mobilização da sociedade para anestesiar ou isolar o extremismo de direita”, defendeu.

Senado pode ser obstáculo

Questionado sobre o cenário no Senado, Vieira admitou que a situação é mais complexa. Enquanto Lira sinaliza flexibilidade, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem se mostrado mais resistente a uma anistia ampla – que incluiria Bolsonaro e militares envolvidos. “O Alcolumbre [como Pacheco é conhecido] tem se demonstrado mais sólido do que o Lira em não pautar uma anistia ampla”, comparou.

No entanto, com a recente saída do União Brasil da base governista e a aproximação entre PP e União Brasil, o jogo político no Senado ficou mais “embaralhado”. Vieira acredita que Lira está avaliando como a pauta seria recebida no Senado antes de colocá-la em votação.

O deputado lembrou a gravidade dos crimes investigados: desde reuniões com embaixadas para desacreditar o sistema eleitoral até o aparelhamento da PRF para interferir no segundo turno das eleições. “Tem as minutas golpistas, milícias digitais, acampamentos na porta dos quartéis, carro bomba. O que precisa acontecer para que estas pessoas poderosas sejam responsabilizadas?”, questionou.

Para Vieira, aprovar a anistia seria um “nocaute” para a democracia brasileira. “Se essa anistia passar e se consolidar, é trágico. Para uma democracia frágil é quase um nocaute”.

Centrão quer bolsonarismo sem Bolsonaro

Sobre a articulação do centrão, Vieira fez uma distinção importante: enquanto a extrema direita quer Bolsonaro livre a qualquer custo, o centrão prefere o “bolsonarismo sem Bolsonaro”. “O centrão quer ganhar 20, 25% do eleitorado bolsonarista. Mas se puder ser sem Bolsonaro, melhor. Eles não se amam não”, ironizou.

Nesse contexto, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) emerge como o nome do centrão e do mercado para 2026. No entanto, Vieira alerta: “Tarcísio é mais bolsonarista que Bolsonaro. Ele vem com uma elegância supostamente republicana e uma mentalidade autoritária”. O deputado citou a “milicialização da polícia de São Paulo” como exemplo do projeto em curso.

Vieira lembrou que a anistia não é a única ameaça à democracia. Propostas como a PEC da Blindagem (que distorce o conceito de imunidade parlamentar), a mudança de foro privilegiado e a restrição a ações de controle de constitucionalidade também avançam no Congresso. Na terça-feira (02), o Senado aprovou projeto que afrouxa a Lei da Ficha Limpa – com apoio de Sergio Moro (União Brasil-PR). “É um combo para aumentar o corporativismo parlamentar e diminuir o controle democrático”, resumiu.

A entrevista de Henrique Vieira reforça o alerta: a democracia brasileira enfrenta riscos concretos não apenas no Judiciário, mas também no Legislativo. A possível votação da anistia nas próximas semanas pode acirrar a crise institucional e testar a resistência das instituições. Como bem lembrou o deputado, “não basta passar essa lei, tem que combinar com os russos – ou melhor, com a Constituição e com o STF”.

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