A madrugada de hoje (10) pode beneficiar o futuro jurídico dos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Especialmente o do ex-presidente Jair Bolsonaro. Com 291 votos favoráveis e 148 contrários, na calada da noite, com manobras e violência, a Câmara dos Deputados aprovou o chamado “PL da Dosimetria”, que altera profundamente a forma de calcular as penas para crimes como golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Entenda na TVT News.
Se o projeto também for aprovado no Senado e sancionado (integral ou parcialmente) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro poderá deixar o regime fechado em cerca de 2 anos e 4 meses, segundo cálculos do próprio relator, Paulinho da Força (Solidariedade-SP). Hoje, pela regra vigente, a previsão era de que o ex-presidente permanecesse preso até abril de 2033, cumprindo mais de sete anos de regime fechado.
A mudança legislativa tem efeito direto sobre todas as sentenças já transitadas em julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive a do ex-presidente, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por cinco crimes.
O que muda
O projeto altera quatro pilares centrais da execução penal:
1. Fim da soma de penas entre dois crimes-chave
Hoje, golpe de Estado (4 a 12 anos) e abolição violenta do Estado Democrático (4 a 8 anos) podem ser somados porque o STF entende que são delitos independentes.
Com o PL, se praticados no mesmo contexto, valerá apenas a pena mais alta, com um acréscimo de 1/6 a 1/2.
No caso de Bolsonaro, isso reduz automaticamente a pena total em 6 anos e 6 meses.
2. Progressão de regime mais rápida
O projeto determina que, mesmo em crimes com violência ou grave ameaça, a progressão poderá ocorrer após cumprimento de 1/6 da pena, e não mais 1/4.
A alteração impacta diretamente os crimes relacionados ao 8 de janeiro, classificados pelo Código Penal como atos de violência contra o Estado.
3. Contagem de trabalho e estudo inclusive em prisão domiciliar
Atualmente, remição de pena (redução por estudo ou trabalho) só vale em regime fechado ou semiaberto.
O PL estende essa possibilidade à prisão domiciliar, o que poderia beneficiar Bolsonaro caso ele deixe o regime fechado no futuro.
4. Redução de 1/3 a 2/3 da pena para crimes cometidos em “multidão”
Essa regra não se aplica ao ex-presidente, considerado pelo STF líder da articulação golpista, mas beneficia parte dos condenados que invadiram as sedes dos Três Poderes.
A conta que pode libertar Bolsonaro
Antes da votação, Paulinho da Força detalhou como chega ao cálculo de dois anos e quatro meses:
- Pena total recalculada: 20 anos e 8 meses
- Progressão para regime semiaberto após 1/6: aprox. 3 anos e 5 meses
- Remição por estudo e trabalho: abatimento que pode reduzir esse período para 2 anos e 4 meses
Segundo o deputado, a regra é geral e valerá para todos os condenados, “da menina do batom ao Bolsonaro”, afirmou, em referência à jovem sentenciada por pichar uma estátua no 8 de janeiro.
Caso o projeto vire lei, o STF deverá readequar todas as penas já aplicadas.
Quem mais seria beneficiado
O PL afeta diretamente o grupo central condenado pela Primeira Turma do STF em decisão definitiva de 25 de novembro. Entre eles:
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil
- Augusto Heleno, ex-ministro do GSI
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
- Alexandre Ramagem, deputado federal
Todos receberam penas entre 16 e 24 anos de prisão.
Reações
A decisão de levar o projeto à votação, anunciada de surpresa pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), provocou forte reação da base governista.
Para o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, trata-se de uma medida explícita para favorecer o ex-presidente:
“Pela primeira vez na história, generais e um presidente envolvidos numa trama golpista foram julgados. É inaceitável que o Parlamento queira reduzir a pena de Jair Bolsonaro. Estamos votando uma lei específica para beneficiá-lo.”
Tentativas de retirar o projeto da pauta foram derrotadas por 294 votos a 146.
Anistia rejeitada
Desde 2022, setores bolsonaristas pressionam pela aprovação de uma anistia geral.
A ideia nunca encontrou respaldo amplo, nem mesmo entre operadores do direito. Uma pesquisa Datafolha de setembro mostrou que 54% dos brasileiros são contra anistiar Bolsonaro.
Com a inviabilidade política da anistia, a oposição passou a articular o PL da Dosimetria, apresentado como solução “técnica” para revisar penas consideradas excessivas.
O texto segue para o Senado, cujo presidente, Davi Alcolumbre, já afirmou que quer votá-lo até o fim do ano.
Se aprovado, seguirá para sanção presidencial. E Lula poderá vetar trechos ou todo o projeto.
Mesmo nesse caso, o Congresso ainda pode derrubar o veto.
