Fernanda Montenegro completa 95 anos nesta quarta-feira (16). Com mais de meio século de carreira, a trajetória de Arlette Pinheiro acompanhou a modernização das artes cênicas no país, sendo uma participante ativa no teatro, no cinema e na televisão brasileira até hoje.
Aos 15 anos de idade, antes de se tornar Fernanda Montenegro, Arlette foi locutora da Rádio MEC. Na mesma época, ela criou seu nome artístico, inspirado por suas ideias e influências: Fernanda é baseado em Fernande, nome de uma grande prostituta no Rio de Janeiro, e Montenegro veio de um parente médico famoso, explicou a atriz em novo documentário, Tributo.
Em 1950, debutou na peça Alegres Canções, junto de seu marido, Fernando Torres. Um ano depois, foi a primeira atriz a ser contratada na TV Tupi, que havia sido criada há pouco tempo. Passou por outras emissoras, atuando em novelas da Record, TV Rio, TV Excelsior e a Globo. Com seu companheiro da vida, Fernando Torres e amigos, formou a Companhia dos Sete, sua própria companhia de teatro, em 1959.
Fernandona, apelido dado pelos fãs, recebeu mais de 100 indicações em diversos prêmios, até ao Oscar, reconhecimento máximo da Academia de Cinema dos EUA, sendo a primeira e única brasileira indicada. Por pouco não levou a estatueta dourada para casa por sua atuação como Dora Teixeira em Central do Brasil, derrota que ainda é sentida pelo cinema nacional.
Além de mais de 70 obras na televisão, mais de 40 no cinema e incontáveis no teatro, a atriz conta com papéis inesquecíveis como Nossa Senhora em O Auto da Compadecida, Romana em Eles Não Usam Black-tie, Charlô em Guerra dos Sexos ou Dona Picucha em Doce de Mãe. Fernanda Montenegro conquistou prestígio como a “dama da dramaturgia” e esteve presente na vida de gerações de famílias brasileiras.
A política na carreira de Fernanda Montenegro
Fernanda Montenegro escreveu seu livro de memórias Prólogo, ato, epílogo, publicado em 2019, e dois anos depois, em 2021, foi honrada como imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em cerimônia da ABL em abril deste ano, ela passou o colar dos imortais para o ativista indígena Ailton Krenak, mais um eleito imortal.
Em sua posse, a atriz fez um poderoso discurso que condenou o descaso do então governo Bolsonaro com a cultura: “Somos uma raça indestrutível mesmo diante dessa brutal, trágica posição governamental contra a cultura das artes que, no momento, estamos vivendo no Brasil. Mas, resistimos. Resistimos. Sempre.”, proclamou na época.
Com sua veia política discreta, Fernanda Montenegro protagonizou Eles Não Usam Black-tie que trouxe um panorama das greves sindicais do ABC Paulista em 1980, baseado no texto do ator e ativista político Gianfrancesco Guarnieri, e O Que É Isso Companheiro?, que conta a história de um grupo guerrilheiro de esquerda no auge do AI-5.
Fernanda foi chamada para ser ministra da Cultura dos governos de José Sarney, em 1985, e de Itamar Franco, em 1993, mas recusou. Sempre defensora da Lei Rouanet e das leis de incentivo à cultura, declarou seu voto em Lula em 2022.
Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir
Apaixonada pela obra de Simone de Beauvoir, Fernanda Montenegro estrelou o monólogo Viver sem tempos mortos e Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir, espetáculo montado a partir da curadoria de textos de Simone de Beauvoir pela própria atriz.
Numa narrativa envolvente, Fernanda interpretou as reflexões de Simone quanto à morte de Jean-Paul Sartre: um luto desamparado e delirante que apresenta a realidade da sua existência, agora sem seu companheiro. Essas sensações também foram sentidas por Fernanda Montenegro, segundo ela mesma, com a morte de seu esposo Fernando Torres em 2008.
Com direito à chuva de aplausos no fim do monólogo apresentado no meio de 2024, a obra retratou ainda as memórias de Simone com seu parceiro, de viagens às orgias; quase como um diário de Simone, tal qual de Fernanda Montenegro, emocionando todos que puderam partilhar das lembranças das duas gigantes.
Fernanda faz 95 anos em atividade, trabalhando em um novo filme e aguardando a estreia de mais dois, um deles sendo o aclamado Ainda Estou Aqui.