O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), resolveu colocar em pauta nesta terça-feira (9) o polêmico PL da Dosimetria — anteriormente apelidado de “PL da Anistia” — que pretende revisar e reduzir as penas dos condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Leia em TVT News.
O que está em jogo
O projeto, relatado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), não prevê, segundo o relator, uma anistia ampla e irrestrita. Ele assegura que o texto “não traz anistia”, mas sim uma “revisão das penas” — com redução para todos os condenados, inclusive mandantes, de modo a possibilitar a soltura de pessoas já presas desde 2023.
Essa manobra transforma o PL da Dosimetria numa espécie de “anistia disfarçada”: embora não apague as condenações, pode torná-las quase simbólicas, com penas drasticamente reduzidas ou até extintas na prática. Isso representa um potencial benefício, inclusive para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos e 3 meses de prisão pelo julgamento da tentativa de golpe — mesmo que o relatório oficial não mencione seu nome explicitamente como beneficiário.
Pressa injustificável
A iniciativa de pautar a votação “a jato” levanta sérias dúvidas sobre o compromisso com o debate público e com o devido processo legislativo. A pressa contrasta fortemente com a gravidade do tema: trata-se de revisão de penas de condenados por crimes contra a democracia e o Estado de Direito.
Além disso, critica-se a falta de transparência. Mesmo aliados alertam que “ninguém leu o texto” — ou seja, a base de parlamentares que poderá votar talvez sequer tenha acesso a uma versão final consolidada.
Motivos e implicações da manobra
Para o centro-direita e o bloco político que sustenta o ex-presidente, a aprovação do PL da Dosimetria representaria uma guinada simbólica e eleitoral: a reconciliação com pessoas que participaram da tentativa de golpe, a reabilitação social dos condenados e a reabilitação política de lideranças associadas ao 8 de janeiro.
Para o Supremo Tribunal Federal (STF) e para parcelas do Judiciário, no entanto, a proposta é vista como uma afronta institucional — um enfraquecimento das consequências jurídicas para ataques à democracia. A revisão de penas por via legislativa, sem nova condenação ou reavaliação judicial caso a caso, abre precedentes alarmantes: quem garante que outros crimes graves, no futuro, não serão objeto de “dosimetrias políticas”?
Aliados do projeto tentam contornar as críticas afirmando que não se trata de anistia, mas de dosimetria — ou seja, de aplicação de penas mais brandas. Mas a verdade é que, no contexto político atual, a distinção entre reduzir penas e conceder perdão completo soa como retórica: o efeito prático pode ser o mesmo.
Embora o PL não mencione diretamente o ex-presidente ou suas lideranças, os sinais de que poderá beneficiá-los são fortes. A pressão de integrantes do seu partido, especialmente depois da prisão preventiva, é explícita e contínua.
A articulação política conduzida por Hugo Motta — que nos últimos meses se declarou disposto a pautar o tema caso houvesse apoio suficiente — revela que a votação desta terça-feira não é mero acaso: é parte de um esforço consciente para trazer a “normalidade política” de volta ao tabuleiro, com os golpistas “reintegrados” social e politicamente.
Crítica: democracia ameaçada por recalibragem de penas
Pauta-se com urgência um projeto que reabre feridas de 8 de janeiro, com risco real de concessão de leniência a autores de crimes graves contra a ordem constitucional. Essa revisão ampla de penas — sem reavaliações judiciais individuais — não é apenas questão técnica: é escolha política. Uma escolha que privilegia interesses de grupo, não o interesse público ou o respeito à soberania democrática.
Em uma democracia madura, crimes contra o Estado e suas instituições não podem ser objeto de barganha legislativa. A punição pelo ataque à democracia não deve ser relativizada sob o pretexto de “pacificação política” ou de interesses eleitorais.
Se o PL da Dosimetria for aprovado hoje, ficará evidente que a Câmara opta por transformar a impunidade seletiva em ferramenta institucional — um retrocesso grave para a cidadania e para o Estado de Direito.
