O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu colocar em votação nesta quarta-feira (17) o pedido de urgência do projeto que concede anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. A decisão coloca o tema no centro da agenda política da semana e abre um novo confronto entre o Congresso e o Palácio do Planalto. Enquanto setores bolsonaristas pressionam por uma anistia “ampla, geral e irrestrita”, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mobiliza para barrar a iniciativa. Leia em TVT News.
Segundo a Folha de S.Paulo, Motta comunicou a líderes partidários e ao governo que pautará o pedido de urgência, atendendo à pressão da bancada bolsonarista e de parte da oposição. A aprovação da urgência permitiria que o projeto fosse votado diretamente em plenário, sem passar pelas comissões da Casa.
O tema ganhou ainda mais relevância após o encontro de Motta com o presidente Lula, realizado fora da agenda oficial na segunda-feira (15), no Palácio da Alvorada. De acordo com fontes do Planalto, Lula reiterou a posição de rejeição à anistia e manifestou preocupação com os efeitos políticos da medida. O presidente tem defendido que os atos de 8 de janeiro configuraram uma tentativa de golpe de Estado e que não se pode normalizar a impunidade diante da maior agressão às instituições democráticas desde a redemocratização.
A posição de Lula encontra eco em outros setores do governo e da base aliada. A ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou ao Metrópoles que a prioridade agora é derrotar o pedido de urgência. “Nós vamos trabalhar para derrubar a urgência, e a partir daí ver como esse assunto vai ser tratado dentro da Casa”, declarou. A fala reflete a estratégia do Planalto: mobilizar parlamentares para evitar que a proposta avance em caráter acelerado, mantendo espaço para o debate político e jurídico.
Apesar da decisão de pautar a urgência, o próprio Motta sinalizou desconforto com a tese defendida pelos bolsonaristas mais radicais, que querem uma anistia irrestrita a todos os envolvidos nos ataques golpistas. Segundo a CartaCapital, o presidente da Câmara reconhece que não há consenso em torno dessa proposta e que será preciso negociar o escopo da medida.
No Senado, a discussão também segue aberta. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), articula um projeto alternativo, que prevê a redução das penas apenas para os participantes de menor relevância no 8 de janeiro. A proposta, no entanto, incluiria aumento de pena para os líderes do movimento. Como mostrou a Folha, esse desenho poderia complicar ainda mais a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados diretos, condenados recentemente pelo Supremo Tribunal Federal.
A divergência entre as propostas da Câmara e do Senado adiciona complexidade à tramitação. Enquanto parte dos parlamentares busca aliviar as penas de centenas de militantes bolsonaristas, outros calculam os impactos políticos de uma medida que poderia beneficiar diretamente a cúpula do movimento golpista.
Governo mobilizado
Para o governo, o principal desafio é conter a narrativa da oposição, que tenta apresentar a anistia como um gesto de “pacificação nacional”. Lula, ao contrário, tem insistido que a democracia exige responsabilização exemplar. Como mostrou o g1, a reunião com Motta no Alvorada foi mais uma tentativa do presidente de demarcar posição e evitar avanços de projetos que possam sinalizar complacência com os golpistas.
A movimentação também coloca à prova a articulação política do Planalto, que precisa garantir votos suficientes para derrotar a urgência. O governo aposta no apoio de partidos de centro e centro-direita que não integram o núcleo bolsonarista, mas que também não querem se comprometer com medidas que soem como incentivo a novas aventuras autoritárias.
O embate em torno da anistia vai além do destino de centenas de condenados. Para os aliados de Bolsonaro, a medida é estratégica: além de reverter punições impostas a militantes, abriria caminho para reduzir as consequências jurídicas contra lideranças políticas envolvidas nos ataques. Para o Planalto, por sua vez, a anistia enfraqueceria a credibilidade das instituições e poderia estimular a impunidade em futuros atentados contra a democracia.
A votação de quarta-feira será um termômetro da correlação de forças no Congresso. Se a urgência for aprovada, a discussão sobre o mérito da anistia avançará rapidamente, exigindo uma nova rodada de articulação do governo. Caso seja rejeitada, a oposição enfrentará uma derrota política significativa e o tema perderá tração, pelo menos no curto prazo.
A poucos meses do início das movimentações eleitorais de 2026, o debate sobre a anistia também se conecta a estratégias eleitorais. Bolsonaristas buscam mobilizar sua base em torno da narrativa de perseguição política, enquanto Lula e seus aliados tentam reafirmar o compromisso com a democracia e a responsabilização pelos crimes cometidos.
O cenário ainda é incerto, mas a semana promete ser decisiva. A votação do pedido de urgência colocará à prova não apenas a força da oposição no Congresso, mas também a capacidade do governo de construir maioria para barrar medidas que considera uma ameaça direta ao Estado democrático de direito.