PL da Dosimetria abre brecha que beneficia outros criminosos violentos

Especialistas apontam que proposta aprovada na Câmara reduz pena para uma série de crimes violentos fora do foco declarado pela base bolsonarista
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Entenda as mudanças na lei que o PL da Dosimetria pode causar. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O PL da Dosimetria (Projeto de Lei 2.162/2023), aprovado pela Câmara dos Deputados com o objetivo declarado de flexibilizar o tempo de cumprimento de pena para condenados por atos golpistas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, atinge diretamente uma outra lista de condenados por crimes violentos. Embora o relator, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), afirme que o texto “não beneficia crime comum”, a proposta facilita a progressão de regime para outros criminosos. Entenda na TVT News.

O ponto central da mudança é a redução do tempo mínimo para progressão de pena para um sexto da condenação (16%), mesmo em crimes cometidos com violência ou grave ameaça. Atualmente, a regra varia de 20% a 70%, dependendo do tipo de crime e do histórico do réu. Segundo especialistas em segurança pública, ao derrubar essa estrutura, o PL acaba beneficiando criminosos que nada têm a ver com o 8 de janeiro.

Criminosos fora do radar são beneficiados pelo PL da Dosimetria

O texto do projeto isenta apenas os crimes classificados nos Títulos 1 e 2 do Código Penal, que tratam de delitos contra a pessoa e contra o patrimônio, elevando nesses casos o tempo mínimo para 25%. Contudo, muitos outros crimes violentos não se enquadram nesses capítulos e, portanto, passam a ter progressão facilitada.

Entre os delitos que seriam diretamente favorecidos pelo novo marco de 16% estão:

  • Exploração sexual e favorecimento à prostituição mediante violência ou grave ameaça;
  • Coação no curso do processo, crime pelo qual já houve denúncias envolvendo aliados políticos do ex-presidente;
  • Incêndio doloso;
  • Afastamento de licitante por meio de violência;
  • Atos violentos contra a soberania nacional;
  • Resistência violenta à autoridade.

Além disso, crimes como roubo, atualmente punidos com progressão apenas após 40% da pena cumprida, passam a exigir apenas 25%, uma mudança que afrouxa a condenação.

“Lei geral” não pode privilegiar apenas um grupo, alertam juristas

Para o professor Rodrigo Azevedo, da PUC-RS, a justificativa do relator não se sustenta juridicamente. “A Lei de Execução Penal (Lei 7.210 de 1984) é uma lei geral, que disciplina a forma de cumprimento de penas para todas as pessoas condenadas no país. Não existe, no sistema constitucional brasileiro, a figura de uma lei de execução penal aplicável apenas a um grupo específico de condenados”, afirma. Segundo ele, a proposta reduz “sensivelmente” o tempo de cumprimento de pena em uma vasta gama de delitos, gerando impacto direto no sistema carcerário e na segurança pública.

Em matéria da Agência Brasil, o criminalista João Vicente Tinoco, da PUC-Rio, classifica a proposta como “um passo atrás” em relação ao endurecimento da legislação seguida do Pacote Anticrime, de 2019. Ele critica o movimento do Congresso de alterar regras gerais para atender a casos específicos: “É sempre muito delicado quando o legislador decide modificar a lei, que vale para todas as pessoas, pensando em um caso específico ou em beneficiar uma pessoa específica, porque isso potencialmente gera distorções”.

Congresso afrouxa e endurece regras ao mesmo tempo

A aprovação do PL da Dosimetria ocorre poucos dias após a Câmara ter aprovado o chamado PL Antifacção, que endurece regras de progressão para integrantes de facções criminosas. A aprovação é contraditória: a mesma legislatura que endurece a lei para facções, na mesma semana, a flexibiliza para crimes violentos.

Em reportagem d’O Globo, o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, reitera: “eles [os deputados] não estão olhando apenas para o pessoal do 8 de janeiro de 2023”.

O PL segue agora para análise no Senado, onde senadores de diferentes espectros políticos já reconheceram problemas na redação. O relator da proposta na Casa, senador Esperidião Amim (PP-SC), aliado de Jair Bolsonaro e grande defensor da anistia total aos condenados do 8 de janeiro, terá a tarefa de conduzir eventuais ajustes.

PL da Dosimetria: perguntas e respostas

A TVT News conversou com o advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni acerca do Projeto de Lei da Dosimetria para tirar dúvidas e esclarecer o que a medida se propõe. Veja abaixo:

Que tipos de criminosos podem se beneficiar com o PL da Dosimetria se aprovado como está?

Adib Abdouni: “Embora o discurso político tente restringir o alcance do projeto aos condenados pelos atos de 8 de janeiro, a verdade jurídica é outra. O PL da dosimetria, tal como redigido, altera critérios gerais de cálculo da pena e de progressão de regime previstos na Lei de Execução Penal. Isso significa que ele pode beneficiar criminosos comuns em todo o país, inclusive condenados por crimes praticados com violência ou grave ameaça que não estejam formalmente classificados como hediondos. Estamos falando de crimes como exploração violenta da prostituição, incêndio doloso, coação, resistência violenta e outros delitos que, na prática, podem ter suas penas significativamente reduzidas”. 

O relator disse que o PL se restringe ao 8 de janeiro, isso é possível, especificar pena a um grupo restrito?

Adib Abdouni: “Do ponto de vista constitucional, essa afirmação não se sustenta. No Brasil, leis penais e de execução penal têm caráter geral e abstrato. A Constituição não permite que o legislador crie regras de dosimetria ou de cumprimento de pena direcionadas a um grupo específico de condenados, definidos por um evento político. Isso violaria frontalmente os princípios da isonomia, da impessoalidade e da generalidade da lei. Se o texto altera a Lei de Execução Penal, ele se aplica a todos os condenados que se enquadrem na hipótese legal, independentemente do crime ou do contexto histórico em que foi praticado.”

Quais outros riscos do PL, se aprovado, pode trazer para a segurança pública?

Adib Abdouni: “O principal risco é um afrouxamento estrutural do sistema penal brasileiro, sem debate técnico profundo e sem avaliação dos impactos reais. Ao reduzir penas de forma indireta e acelerar progressões de regime, o projeto pode gerar sensação de impunidade, insegurança jurídica e enfraquecimento da função preventiva da pena. Além disso, abre precedentes perigosos para legislações penais casuísticas, feitas sob pressão política, e não com base em critérios técnicos de política criminal. Isso compromete a credibilidade do sistema de Justiça e pode ter reflexos diretos na segurança pública, sobretudo em um país já marcado por altos índices de reincidência”.

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