Para a direita, bandido bom é bandido solto ou anistiado. Câmara aprova “PL da Dosimetria”

Câmara dos Deputados aprovou na madrugada o projeto de lei (PL da Dosimetria) que reduz penas de Jair Bolsonaro. Entenda tudo na TVT News
A inclusão repentina do chamado “PL da Dosimetria” na pauta surpreendeu líderes partidários e evidencia o caráter atípico da operação. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A inclusão repentina do chamado “PL da Dosimetria” na pauta surpreendeu líderes partidários e evidencia o caráter atípico da operação. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Em uma sessão marcada por repressão à imprensa e decisões tomadas às pressas na madrugada, a Câmara dos Deputados aprovou, às 2h26 desta quarta-feira (10), o projeto de lei (PL da Dosimetria) que reduz penas de Jair Bolsonaro e de centenas de condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. Entenda na TVT News.

A votação teve placar de 291 votos a favor, 148 contra e uma abstenção. A medida, encabeçada pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB) aponta o caminho da impunidade para parte dos responsáveis pelo maior ataque à democracia brasileira desde a ditadura (1964-1985).

O movimento consolida um aparente paradoxo político. Enquanto setores da direita repetem o mantra de que “bandido bom é bandido morto”, seus próprios aliados parecem preferir outra fórmula quando os criminosos são da sua ideologia: bandido bom é bandido solto, ou ao menos anistiado sob nova embalagem.

Agora a proposta vai para o Senado. Lá, deveria passar por comissões, como a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Contudo, o presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (União-AP) promete articular para dar mais um golpe nas instituições e votar diretamente, sem discussões.

PL da Dosimetria

A inclusão repentina do chamado “PL da Dosimetria” na pauta surpreendeu líderes partidários e evidencia o caráter atípico da operação. A decisão partiu do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que pela manhã anunciou que levaria o texto ao plenário ainda no mesmo dia, apesar do tema estar, até então, adormecido.

Horas antes da votação, o plenário viveu momentos de tensão quando o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) ocupou a cadeira da presidência em protesto contra um processo de cassação movido pela direita. A reação foi brutal: agentes de segurança do Congresso arrancaram o deputado à força, retiraram jornalistas do local e cortaram o sinal de transmissão da TV Câmara — medida sem precedentes desde a redemocratização.

No fim do dia, o plenário retomou suas atividades sob um clima de contenção. Na calada da madrugada, aprovou-se um projeto capaz de reescrever a responsabilização judicial de Bolsonaro e seus seguidores.

O que muda com o “PL da Dosimetria”

A proposta reduz significativamente as penas dos condenados ao estabelecer que o crime de golpe de Estado absorve o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Na prática, elimina a soma das penas e mantém apenas a punição do crime mais grave, com aumento mínimo, o que desmonta a lógica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao longo de 2023 e 2024.

Além disso, o projeto altera a progressão de regime, permitindo que condenados saiam mais cedo do regime fechado: bastaria cumprir um sexto da pena, em vez de um quarto. Para Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses, isso significa que poderia deixar o regime fechado em cerca de 2 anos e 4 meses.

O texto ainda cria mecanismos inéditos para abater pena de quem usou tornozeleira eletrônica, convertendo dias trabalhados em redução da condenação, um aceno direto aos réus dos atos golpistas.

O alcance político: um resgate calculado

Se aprovado pelo Senado e não vetado pelo presidente Lula, o projeto não apenas encurta a pena de Bolsonaro como reforça uma narrativa estratégica: a de que o ex-presidente e seus aliados não cometeram crimes graves, mas meros excessos passíveis de revisão legislativa.

Embora o relator Paulinho da Força (Solidariedade-SP) insista em dizer que “não há anistia”, a operação política tem o mesmo efeito simbólico: atenuar punições impostas pelo STF e acenar à base eleitoral da extrema direita.

O próprio Paulinho admitiu ter apresentado previamente o texto ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), pré-candidato à Presidência em 2026, e principal articulador do lobby pela flexibilização das penas.

O discurso da lei para uns, a indulgência para outros

Enquanto setores da direita defendem punições duríssimas para crimes comuns, sustentam discursos sobre “guerra ao crime” e rotineiramente atacam decisões do STF consideradas “brandas”, o projeto aprovado representa um gesto explícito de indulgência para condenados por tentar derrubar um governo democraticamente eleito.

É a consagração do duplo padrão: a lei deve ser implacável com inimigos políticos e compassiva com aliados ideológicos — mesmo quando estes atentam contra a própria ordem constitucional.

O próximo capítulo

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), já sinalizou que pretende colocar o projeto em votação até o fim do ano, talvez até hoje. O governo avalia a possibilidade de veto, integral ou parcial. O STF também pode ser acionado para analisar a constitucionalidade da nova redação.

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