Atual Ouvidor da PM paulista, Cláudio Aparecido Silva foi o mais votado da lista tríplice elaborada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), mas não foi escolhido pelo Governador Tarcísio.
No lugar dele, foi designado o advogado Mauro Caseri, terceiro colocado na votação. A lista tríplice apresentada ao governador trazia três possíveis nomes indicados por representantes do Tribunal de Justiça (TJ), Ministério Público (MP), Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e membros da sociedade civil do estado.
Caseri foi o terceiro lugar da lista, com sete votos. Valdison Pereira ficou em segundo lugar, com oito votos. O agora ex-ouvidor da PM, Cláudio Aparecido Silva, que tentava o segundo mandato, foi o mais votado, com nove votos.
Antes de deixar o cargo de ouvidor da PM e também antes da decisão do governador, Cláudio recebeu o professor Lucas Scaravelli da Silva e a equipe da TVT News para entrevista exclusiva
Leia a entrevista com ex-ouvidor da PM, Cláudio Aparecido Silva
Por Lucas Scaravelli da Silva
Um militante do movimento negro, nascido e criado em favela, muito cedo foi para o Espírito Santo, a sua mãe foi abandonada pelo seu pai, quando ela estava gravida do seu irmão Fabiano, que era o sétimo filho, e ela teve que enviar os filhos para a avó cuidar e ela poder trabalhar.
Homem negro, estatura baixa, porte físico forte, fala mansa, olhar sereno e firme, esse é Claúdio Aparecido da Silva, ouvidor da Comissão do Estado de São Paulo para a Secretaria de Segurança Pública, o ouvidor da PM no período 2023-2024.
Uma biografia que se confunde com o ser e o tornar-se negro no Brasil, Cláudio foi o primeiro Ouvidor da PM egresso de uma comunidade (a favela Monte Azul, no Jardim Monte Azul). A lida desde cedo, a convivência nas ruas, a superação através da dignidade do primeiro trabalho que lhe emancipou – engraxate-, o hip hop como ‘fórmula mágica da paz’.
São tempos difíceis e cruéis, sem muita poesias. Cláudio enfrentou a escalada da violência policial, um novo processo eleitoral para a Ouvidoria da PM. Apesar da vitória, sua atuação como ouvidor da PM o tornou persona non grata no governo Tarcísio de Freitas.
Cláudio recebeu a equipe da TVT News antes da definição do governador. Na entrevista, além de falar sobre os desafios atuais, contou sobre sua biografia e a importância da ouvidor da PM do Estado de São Paulo,
TVT News: Cláudio, conte um pouco mais sobre sua vida, até para que a gente possa compreender o significado da sua gestão como ouvidor da PM
Cláudio Aparecido da Silva: Nós fomos enviados para Vitória no Espírito Santo, vivíamos lá no Morro do Barro da Penha em situação muito difícil. Voltamos para o Espírito Santo, eu fugi de casa, fui morar nas ruas e depois fui recolhido à Fundação da Secretaria para o Bem-Estar do Menor e o Juiz da Vara da Infância pediu a minha mãe para trazer-me de volta para São Paulo.
Em São Paulo eu fui engraxar sapato na rua e engraxando sapato eu tive um contato muito objetivo, grave e cruel com o racismo, muito escancarado e aí a partir disso eu resolvi buscar informações sobre a luta contra o racismo.
E aí, acabei indo parar numa reunião do Movimento Negro Unificado, fui me encontrar com os radialistas de uma campanha chamada ‘’Mano não Morra, Mano não Mate”. E ali, na reunião do MNU, eu conheci o movimento negro e também conheci o movimento hip-hop, porque os membros dos racionais participavam dessas reuniões.
TVT News: É ai que se inicia sua militância?
Cláudio: Então ali, eu inicio um ativismo no movimento negro, mas também no movimento hip-hop. E como o debate de violência contra a população negra sempre teve muito permeado no entorno do movimento negro, eu, o movimento do hip-hop, sempre foi um movimento que denunciou essas áreas sociais, especialmente a violência policial.
A gente acabou enveredando por um caminho de debate de direitos humanos, sendo esse ativismo, enfrentamento ao racismo e o movimento hip hop, que me tornaram hoje ouvidor da PM do Estado de São Paulo.
Então hoje eu sou ouvidor da PM do Estado de São Paulo, trazendo comigo essa carga de construção a partir de favelas, ruas e do movimento negro, do movimento hip hop, principalmente!!
Eu avalio que nós temos um problema para a gente ir direto ao objetivo, que é pensar as similaridades que existem entre o que aconteceu com a morte de Robson Silveira da Luz ( em 1978) e o que ainda existe hoje.
TVT News: O senhor conecta então um assassinato em 1978 e que culminou na fundação do MNU e outros movimentos sociais, com a violência policial que ainda persiste hoje?
Claúdio: Primeiro é importante dizer que a polícia que nós tínhamos lá na época da morte do Robson Silveira da Luz, é a mesma polícia que a gente tem hoje. Inclusive o marco legal que organiza e estrutura essa polícia é o mesmo, o Decreto 667 de 1969. Esse Decreto Lei 667 vêm da Ditadura, ele faz uma referência ao objetivo de submissão esse decreto ao AI-5, o ato institucional número 5 que é o ato mais violento da ditadura contra o civis.
Então é importante a gente entender que coisas como as que ocorreram com o Robson da Luz lá em 78, aconteceu agora nos anos 2000 com o Flávio Santana e ainda acontece hoje como aconteceu com aquele jovem saindo daquele mercado e foi alvejado pelas costas, e o que aconteceu recente também com o estudante de medicina na Vila Mariana, que na minha opinião, ali tem xenofobia e racismo também, porque o menino tinha traços indígenas, era nitidamente um imigrante.
Então, essas questões ainda ocorrem porque a gente vive sobre a batuta da mesma polícia, a polícia que foi criada na ditadura, a polícia que foi criada e submetida ao AI-5 e a polícia que é força auxiliar do exército, segundo o que está definido na própria legislação.
TVT News: E diante disso, diante disso, o exército trabalha na perspectiva de inimigo comum, né?
Cláudio: Enfrentamento é um inimigo comum. Muito disso a polícia militar traz consigo, e numa sociedade formada a partir de bases que tratam as pessoas com diferenças a partir da sua cor de pele, a partir da sua raça, e é lógico quem vai ser mais afetado é quem está mais vulnerabilizado, que é a população negra.
Então o que a gente vive em São Paulo atualmente, que não é um privilégio, apenas de São Paulo, é uma, eu diria que é uma calamidade coletiva e quase que continental, porque se o Brasil tem características de continente, então não é demais dizer que essa calamidade coletiva que a gente vive é uma calamidade continental também.
E desde a redemocratização, os índices de violência policial especialmente contra a população negra só tem crescido, só tem aumentado, então eu acho que guarda muita relação. E é muito curioso que depois de Tancredo, Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique 1 e 2, Lula 1 e 2, Dilma, Michel Temer, Bolsonaro e Lula 3, mas em ambientes democráticos a gente ainda tem uma legislação que estrutura e origina as polícias da ditadura, porque dá para a gente ter a dimensão da força que a polícia têm. Nenhum governo em um ambiente democrático teve coragem de mexer nisso.
TVT News: Chegam muitos casos na Ouvidoria da PM que remontam essa lógica histórica que você narra?
Claúdio: A gente não para de receber casos aqui na Ouvidoria da PM, que tem uma similidade com o caso do Robson, né? Tem um sobrevivente da Operação Escudo, chamada Evandro, e eu estou citando o nome dele porque ele, inclusive tem dado entrevistas e tal.
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Olha o que tem isso, ele trabalhava de motoboy no Morro de Santos, no Morro do José Menino, ele recebeu uma vez na sede dos motoboy lá uma equipe do Baep – Batalhão de Ações Especiais de Polícia. O policial pediu o RG dele, tirou uma foto e foi embora.
Dois dias depois eles voltaram. Esse rapaz estava no banheiro nu, estava usando o banheiro, ele ia tomar banho, estava usando o banheiro e ele ia tomar banho. Nesse segundo dia, depois que esses policiais foram lá e fotografaram o RG dele, e eles chegaram até lá dentro do banheiro.
E aí ele pula de uma altura de 7 metros, que é a janelinha do banheiro, para tentar salvar a vida dele, porque ele estava cercado pelos policiais. tinha tomado acho que dois, ou até mais tiros de doze, Calibre doze, ele pula e cai lá embaixo, quando ele cai lá embaixo, ele se finge de morto.
Até que chega o Samu, e ele grita para o socorro e diz o Samu que ele está vivo, e logo ficou vários dias na UTI, quase morreu, mas sobreviveu.
Então, um homem negro, trabalhador, estava trabalhando mototaxi, já tinha tido uma passagem pela polícia, mas estava com a vida em dia, e aí passa por essa situação,
TVT News: Parece-me que toda violência policial têm uma similaridade…
Claúdio: Então perceba, quanta similaridade, né? Esse caso mesmo do menino, do Gabriel Renan, do Mercado Oxxo, é uma coisa também, policial atirou nele, foi para delegacia, levou legítima defesa, disse que ele tentou sacar uma arma policial, só que quando as imagens vêm à tona, a gente percebe que não houve legítima defesa.
A gente já imaginava que não tinha legítima defesa pela quantidade de tiros que atingiam o Gabriel. Existe legítima defesa de 10 tiros, quando uma pessoa não deu um tiro, né? Mas depois a gente acabou descobrindo.
O caso que também vitimou o menino Ryan, saiu o laudo da morte do rapaz que, segundo os policiais, era quem estava trocando tiros com a polícia. O rapaz pegou 7 tiros, 5 tiros foi pelas costas, e dois tiros foram de cima para baixo, quando ele já estava caído.
E aí, nesse ambiente em que acontece a morte do Gregorio, que tomou 5 tiros pelas costas, e dois de cima para baixo, quando já estava caído no chão, morre também o Ryan, que estava 50 metros de onde ocorreram os fatos com o Gregorio, e acabou sobrando para ele um tiro de calibre doze.
TVT News: Como a sociedade pode refletir sobre a policia enquanto uma instituição importante nos processos sociais de segurança?
Cláudio: Então, a gente percebe que, de fato, são ações bastante difíceis de serem compreendidas, vez que nós estamos falando de uma instituição policial que primeiro prega para a sociedade ser legalista, que para a sociedade ela diz atuar dentro da legalidade.
Mesmo com a gente aqui acompanhando ao longo desses dois anos, uma série de arbitrariedades sendo cometidas, desapropriação sem ordem judicial, pressão em moradores que estão passando por um processo de integração de posse, desocupação de áreas rurais ocupadas por movimentos do campo, na busca por reforma agrária, também de formas arbitrárias, agressivas e violentas.
Então nós ainda temos uma estrutura policial, não só em São Paulo, como em todo o Brasil, que ainda está totalmente influenciada por aquela estrutura da ditadura militar, aquela estrutura que fazia que os militares pensassem que eles tinham uma cidadania superior a de qualquer cidadão comum.
Eu acho que é um momento da gente fazer um grande debate na sociedade, envolvendo inclusive o movimento popular no sentido da gente revisitar a política de segurança pública e qual o sentido da gente ter atuação para a vida das pessoas.
TVT News: Você acha que um amplo debate pode gerar uma mobilização popular em torno do tema e das situações?
E eu acredito muito nessa possibilidade porque o movimento popular foi capaz de construir um sistema único de saúde, que é um sistema de saúde pública, comemorado e homenageado em todo o mundo, reconhecido em todo o mundo.
Se foi a complexidade do que é a saúde pública, com a complexidade da diversidade que se tem em relação aos vários tipos de adoecimentos que as pessoas podem ter, foi possível construir um sistema único de saúde, não é possível que não seja possível construir um sistema único de segurança pública, que tenha como um pilar fundamental a participação popular, a presença da população no pensar a política pública e o influenciamento do movimento popular de toda a sociedade para essa política.
Então, eu avalio que é isso. Além da gente ter que ter os órgãos de controle funcionando, não é possível que uma corporação militarizada, hierarquizada, e que é detentora de um poder concedido pelo Estado para manter a intenção da ordem pública, não tem um órgão de controle interno fortalecido, autônomo e com todas as condições para poder fazer a sua atuação fiscalizatória e correcional.
Não é possível que diante de tantos fatos que a gente tem acompanhado pelo Brasil, da evolução de número de mortes praticado pela polícia e tantas outras questões que envolvem violência policial, aqui na Ouvidoria da PM aumentou em 40% dos casos de reconhecimento de violência policial no último ano, não é possível que com essa conjuntura, com essa condição, a gente não tenha ainda despertado o desejo de fazer um debate mais amplo sobre o que é a Segurança Pública e sobre qual é a Segurança Pública que a gente mais vê.
Existem pessoas, como o atual Secretário de Segurança Pública aqui do Estado de São Paulo, que defendem que quem nunca entrou numa viatura não pode opinar em Segurança Pública.
Eu acho que quem não pode opinar em Segurança Pública não deveria contribuir financeiramente para a política de Segurança Pública. Deveria ser desobrigado, porque é uma política pública que não respeita os princípios promulgados na Carta Magna, na Constituição da República, que é o princípio democrático, no princípio de política pública com participação social, e a política de Segurança Pública é uma política da área social.
Se essa pessoa que colabora para que essa política exista, ela não pode opinar nessa política? Ela deveria então ser desobrigada a contribuir com essa política também. Há democracia nisso, há equilíbrio nisso, como que eu financio uma política que não posso opinar sobre ela.
Acho que não tem muito sentido. Acho que é um pouco isso, sabe? Acho que o que eu penso na condição de ouvidor da PM, é que a gente tem espaço na sociedade para poder aperfeiçoar a política de Segurança Pública, tem bases para isso, tem razões legais para isso.
TVT News: E há uma permissividade legal para essas ações truculentas?
Cláudio: A gente for analisar tanto o Decreto Lei 667/69, quanto as que vieram depois, a gente percebe que o que as licitações buscaram fazer, é cada vez mais empoderar a polícia e hierarquizar as relações internas de forma, inclusive, que leva o policial do baixo escalão ser maltratado ao ponto até de adoecer-se mentalmente e entregar uma política pública vergonhosa para a população, especialmente a população menos assistida, a população mais carente. Aqui, do ponto de vista da equidade, merecia ter mais política pública do que a que não independe tanto do Estado, porque a população não independe tanto do Estado.
TVT News: Por isso a necessidade de envolver a população nesse debate…
Cláudio: Então, acho que é chegado o momento da gente fazer um debate e uma reflexão muito séria no Brasil inteiro, um debate amplo que envolve o movimento popular, que envolve a academia, que envolve os gestores da política, os operadores da política, mas, fundamentalmente, envolve a população mais simples, mais carente, para que ela possa, efetivamente, dizer como ela enxerga, fazer um diagnóstico de como ela enxerga a polícia e como os caminhos que a gente precisa fazer para poder melhorar e como que ela quer viver com a polícia daqui a 5, 10, 15 anos.
TVT News: E você hoje está filiado algum movimento, alguma organização, um coletivo?
Claúdio: Então, eu sou um dos membros do Bocada Forte Hip Hop, que é o portal de comunicação do Hip Hop, mas a gente faz ativismo também, além de ser produtor do Hip Hop e já ter sido produtor do Dexter, e o Boca da Forte é filiado ao CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras).
TVT News: O que você espera que, sendo você ou não o próximo Ouvidor da PM do Estado, o que você espera que seja feito e se você tem esperanças?
Claúdio: Que essa é a secretaria da maneira que está, esse governador da maneira que está, possa colaborar para que a gente possa construir uma política pública, na condição de ativistas de direitos humanos, eu não posso desacreditar da evolução do ser humano. Eu acredito que… Eu sempre acreditei que as pessoas que cometem algum arbítrio, algum débito, elas possam plenamente serem recuperadas e voltarem para conviver em sociedade.
Então, eu tenho que acreditar, porque se eu não acreditar que o Governador e o Secretário de Segurança podem mudar suas posturas e trazer uma política mais cidadã, de segurança pública para o Estado, se eu não acreditar nisso, eu estou sendo incoerente com a minha própria história, com a própria luta que eu faço.
Como eu acredito que pessoas podem praticar crimes, serem presas e voltar para a sociedade, para conviver em sociedade? Sem que sejam criminalizadas e voltem a ser consideradas cidadãs. Eu também preciso acreditar que o governador e o secretário de Segurança Pública podem entregar uma política melhor para o Estado de São Paulo.
O atual momento político do nosso estado tem obrigado eles a fazer recursos estratégicos. É lógico que entre fazer um recuo público e uma manifestação à imprensa e um ato efetivo para mudar a lógica, há uma distância muito grande. E o governador e o secretário também são sujeitos políticos. Às vezes possa ser que a resposta seja uma resposta para responder a questão conjuntural daquele momento. E não efetivamente para poder dar conta da missão que se tem de melhorar, de melhoria da política pública.
TVT News: Mas existe caminho?
Claúdio: Mas eu acredito que tem caminho. Eu acredito que o gesto do governador no último período é um gesto que é importante a gente considerar e ter ele em vista. E a expectativa que a gente tem é essa. Quando está muito ruim, dizem que quando está muito ruim a tendência é melhorar.
Então a gente espera que melhore.
TVT News: Você nasceu em 76. Então quando o movimento negro está se reorganizando, você era uma criança? Uma criança. Como eu pertencido ao que a gente chama de quarta geração. Somos frutos das ações afirmativas. Como uma pessoa atuante em um movimento negro, você acha que a quarta geração tem um distanciamento do que foi a geração de 1978 e que atuou até, atuou assim efetivamente, porque depois ela é inserida dentro das gestões politicas.
A partir de 2002, o movimento negro começa a se inserir mais na estrutura do Estado. Você acha que essa geração que somos nós, fruto das ações afirmativas, falta uma mobilização como a geração anterior, a de 78, para atuar contra essas instituições?
Claúdio: Eu acho que tem uma diferença muito grande entre as gerações, especialmente em relação aos avanços tecnológicos que a gente vivenciou, né? Na nossa época, na nossa época não, mas na época do movimento negro mais antigo, eu já peguei um pouco do movimento negro que não tinha ações afirmativas, que ainda lutava por ações afirmativas. Nesse período, não tinha nada fácil, né?
Então, isso fazer com que as pessoas tivessem que se mobilizar mais, né? Hoje, existe o ativismo de internet, por exemplo. Então, essa nova geração tem uma capacidade maior de mobilização e de organização a partir das ferramentas que estão sendo oferecidas também e das funções que estão sendo oferecidas.
A geração de 1978, até os dias atuais, existem pessoas que estão conosco até os dias atuais, é uma geração que enfrentou um período mais duro, período duro da ditadura militar, o enfrentamento da ditadura militar, a resistência da ditadura militar, enfrentou um racismo mais aflorado, um racismo mais evidente na sociedade.
Hoje ser racista é praticamente, já é crime, só que tanto não era crime, não era considerado crime, mas ser racista hoje é um cara que é racista, ele passa vergonha política, ele passa por expressão negativa, então ser racista hoje eu diria que é meio que fora de moda.
Mas isso tudo eu tenho certeza absoluta, que deve ser atribuído, esse tipo de construção de consciência, do quão grave ser racista, a gente deve a luta da geração de 1978, essa geração que reorganizou o movimento negro brasileiro, e estabeleceu as estratégias e as diretrizes de enfrentamento ao racismo, desconstrução do racismo, do racismo, de pautar a sociedade no que diz respeito a questão racial, né? De respeito as mazelas que o racismo produz, né?
Eu acredito que tem uma diferença muito grande entre o ativismo que era desenvolvido de 78 até os anos 2000, 2010 e o atual ativismo do movimento negro, uma diferença muito grande, muito grande.
Em 78, em 80, até na década de 90, os baileiros, né? Eles faziam mil panfletos e colocavam 900 pessoas no baile. Hoje a gente faz 30 mil panfletos para colocar 300 pessoas numa reunião. Então tem uma diferença muito grande, e tem reunião que a gente faz um panfleto e coloca mil pessoas, porque a internet faz a entrega que a gente precisava que fosse feita.
Tem uma diferença muito grande de condições que estão colocadas, de espaços que foram criados para ocupação por parte da população negra, e então os movimentos são muito diferentes.
Sobre o autor
Lucas Scaravelli da Silva é professor universitário na Faculdade Sesi de Educação, militante na Soweto Organização Negra e Cofundador do Coletivo Amadou Hampâté Bâ.