Após protestos e sanções, relator da anistia no Congresso avalia adiar entrega de texto

A sociedade civil deixou claro que não há pacificação possível com golpistas e criminosos em geral. Congresso entra em confusão
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Paulinho pretendia entregar o texto até quarta-feira (24), mas agora avalia o momento no Congresso como politicamente "tumultuado"Foto: APIBFoto: Fabio Rodrigues/ Pozzebom/Agência Brasil

O relator do projeto de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), indicou hoje (23) que pode adiar a entrega do parecer que pretendia apresentar nesta semana. A manifestação de Paulinho entra em uma seara de confusão no Congresso após manifestação de força nas ruas contra pautas da extrema direita, como a blindagem de bandidos e a anistia a golpistas bolsonaristas. Entenda na TVT News.

Nomeado relator da matéria há poucos dias, Paulinho pretendia entregar o texto até quarta-feira (24), mas agora avalia o momento no Congresso como politicamente “tumultuado”, após as intensas manifestações populares do último domingo (21) e o anúncio de novas sanções dos Estados Unidos contra desafetos de Jair Bolsonaro, inclusive familiares do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Vamos sentir o clima das bancadas e avaliar se há disposição real para tratar do tema neste momento”, afirmou Paulinho, que tem reuniões com partidos como PL, Republicanos e MDB ao longo do dia.

A possível postergação reflete o impasse de um Congresso mergulhado em pautas de autodefesa e submissão à extrema direita, que insiste em blindar parlamentares e absolver criminosos condenados por tentativa de golpe. As manifestações de domingo, convocadas por movimentos populares e setores da esquerda, aconteceram em todas as capitais e marcaram a maior resposta pública contra a agenda bolsonarista no Legislativo desde o fim do governo anterior.

Recuo diante da pressão

A leitura de Paulinho, segundo fontes próximas ao relator, é de que o Congresso perdeu o controle da narrativa ao pautar, em sequência, duas propostas impopulares: a PEC da Blindagem, que dificulta investigações contra parlamentares, e o PL da Anistia, que busca reduzir ou até mesmo perdoar penas de condenados pelos ataques às instituições democráticas em 8 de janeiro de 2023.

O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), reconheceu o desgaste político na abertura de um evento com o mercado financeiro, nesta segunda-feira (22). “É o momento de tirar da frente todas essas pautas tóxicas”, disse, referindo-se tanto à anistia quanto à PEC que favorece parlamentares sob investigação.

Segundo Motta, “a Câmara teve a semana mais difícil e desafiadora” e agora deve focar em temas como reforma administrativa, imposto de renda e segurança pública. Ainda assim, ele não descartou totalmente o projeto da anistia. “É uma saída possível dentro das nossas regras legais”, afirmou, relativizando o caráter excepcional e antidemocrático do texto.

O que está em jogo

A tentativa de aprovar a anistia é parte de um acordo costurado entre o Centrão e parlamentares bolsonaristas em agosto, após um motim que tomou as mesas diretoras da Câmara e do Senado em protesto contra a prisão domiciliar de Bolsonaro. Em troca de estabilidade política, Hugo Motta aceitou pautar a urgência da anistia e da PEC da Blindagem.

O Centrão, cujos líderes têm mais de 80 parlamentares investigados no STF, especialmente por uso irregular de emendas parlamentares, pressiona pela aprovação da PEC. Os bolsonaristas, por sua vez, querem absolver Bolsonaro e seus aliados das condenações impostas pelo STF.

Para setores da extrema direita, a anistia é o último recurso possível para reabilitar politicamente o ex-presidente, que já foi condenado a mais de 27 anos de prisão pelo STF. A proposta de Paulinho, no entanto, não contempla anistia ampla e irrestrita, mas sim a revisão de dosimetria das penas, o que provocou reações negativas entre os bolsonaristas mais radicais. Eduardo Bolsonaro chegou a insinuar que o relator deveria ser alvo de sanções por parte dos EUA.

Manifestações e repúdio

O recuo de Paulinho da Força e a fala de Hugo Motta ocorrem sob o impacto direto das manifestações de domingo, que reocuparam as ruas com milhares de pessoas em todas as capitais, exigindo o arquivamento da PEC da Blindagem e do PL da Anistia. Os protestos foram organizados por movimentos sociais, centrais sindicais, partidos políticos e ativistas, que veem na articulação da anistia uma ameaça direta à democracia e ao estado de direito.

“É o momento de virar a página dessas pautas tóxicas”, disse Motta, em uma tentativa de se reposicionar politicamente após o desgaste.

Mesmo assim, o presidente da Câmara manteve um discurso ambíguo. Defendeu o STF e reconheceu a gravidade dos ataques de 8 de janeiro, mas insistiu que o Congresso deve “buscar pacificação” entre os polos políticos. “Se estão os dois lados insatisfeitos, é porque estamos no caminho certo”, declarou, minimizando o fato de que um dos “lados” está condenado por tentativa de golpe de Estado.

Crítica à cobertura e tentativa de normalização

Em meio à crise de credibilidade, Motta também criticou a imprensa, alegando que há um foco excessivo na “pauta do conflito” e não nas “matérias importantes” aprovadas pelo Parlamento. A estratégia de deslocar o debate serve para tentar normalizar o avanço de pautas autoritárias sob o argumento de que o país precisa “olhar para frente”.

Mas a sociedade civil parece ter deixado claro, nas ruas, que não há pacificação possível com golpistas. A anistia não será perdoada. O que a Câmara chamou de “agenda de pacificação” é vista pela maioria da população como mais uma tentativa de autopreservação de políticos envolvidos com práticas antidemocráticas e corrupção sistêmica.

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