Justiça absolve acusados por tragédia no Ninho do Urubu, do Flamengo

Dez adolescentes morreram no local em 2019
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Incêndio no Centro de Treinamento do Ninho do Urubu. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A Justiça do Rio de Janeiro absolveu, em primeira instância, os sete acusados pelo incêndio ocorrido no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, em fevereiro de 2019. A tragédia resultou na morte de dez jovens atletas das categorias de base do clube. Entenda mais em TVT News.

Os réus foram denunciados por incêndio culposo e lesão corporal grave. A decisão judicial, que ainda pode ser contestada por meio de recurso, foi proferida pelo juiz Tiago Fernandes Barros, da 36ª Vara Criminal, que considerou a ação improcedente.

Em maio, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) havia solicitado a condenação de todos os envolvidos, após a coleta de depoimentos de mais de 40 testemunhas ao longo do processo.

Quem são os denunciados?

Os sete réus absolvidos em primeira instância no caso são: Márcio Garotti, ex-diretor financeiro do Flamengo (2017–2020); Marcelo Maia de Sá, ex-diretor adjunto de patrimônio; os engenheiros Danilo Duarte, Fábio Hilário da Silva e Weslley Gimenes, responsáveis pelas instalações técnicas dos containers; Claudia Pereira Rodrigues, que assinou os contratos da empresa NHJ; e Edson Colman, sócio da Colman Refrigeração, encarregado da manutenção dos aparelhos de ar-condicionado que provocaram o incêndio.

Antes da decisão anunciada agora, já havia sido extinto o processo contra o então presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello. Outros três acusados já tinham sido absolvidos.

Segundo a Justiça, não há provas suficientes para sustentar a condenação dos acusados. A decisão aponta que as denúncias não se alinham às funções efetivamente desempenhadas por cada réu em suas respectivas empresas. A sentença tem 227 páginas, veja a conclusão do juiz abaixo:

Relembre a tragédia

Na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, um incêndio atingiu o Ninho do Urubu, em Vargem Grande. Na ocasião, atletas das categorias de base dormiam em alojamentos improvisados em contêineres dentro do Centro de Treinamento. O fogo começou por causa de uma falha em um aparelho de ar-condicionado. A tragédia deixou dez jovens mortos e três jogadores feridos.

Entre as vítimas do incêndio estavam os atletas: Athila Paixão (14 anos), Arthur Vinícius (14), Bernardo Pisetta (14), Christian Esmério (15), Gedson Santos (14), Jorge Eduardo Santos (15), Pablo Henrique (14), Rykelmo de Souza (16), Samuel Thomas Rosa (15) e Vitor Isaías (15).

Outros 16 adolescentes também estavam no local na hora do incêndio, mas conseguiram escapar com vida.

Três jogadores — Jhonata Ventura, Dyogo Alves e Cauan Emanuel — ficaram feridos, mas se recuperaram e continuam com suas carreiras ligadas ao futebol.

Famílias falam em impunidade

A Associação que representa pais, mães, irmãos e demais familiares das vítimas (Afavinu) divulgou uma nota extensa manifestando forte reprovação à sentença. No documento, a entidade afirma que a decisão compromete o sistema de proteção à vida de menores em instituições esportivas.

A Afavinu também considera que a sentença transmite à sociedade uma mensagem perigosa, sugerindo que falhas estruturais e omissões podem passar impunes.

Segundo o texto, a absolvição dos acusados, fundamentada na alegação de que não foi possível individualizar condutas técnicas ou estabelecer nexo causal penalmente relevante, reforça o sentimento de impunidade entre os familiares.

A associação ressalta ainda que os adolescentes estavam alojados em contêineres adaptados, sem alvará de funcionamento.

Veja a nota na íntegra:

“A Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu (Afavinu), que congrega mães, pais, irmãos e demais familiares das dez vítimas fatais da tragédia ocorrida em 8 de fevereiro de 2019 no alojamento da base do Flamengo, manifesta seu profundo e irrevogável protesto diante da decisão proferida pela 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que absolveu em primeira instância todos os sete acusados no processo criminal resultante dessa tragédia.

Entendemos que o papel da Justiça não se limita à aplicação da lei em casos individuais, mas exerce uma função pedagógica essencial na prevenção de novos episódios semelhantes, no envio de mensagem clara à sociedade de que negligências de segurança, falhas na estrutura técnica e irresponsabilidades não serão toleradas — e não cumprir essa função configura, para nós, grave afronta à memória das vítimas e ao sentimento de toda a sociedade.

Relembremos que os jovens falecidos — adolescentes em formação, atletas da base — dormiam em contêineres improvisados, sem alvará adequado, com indícios de falha elétrica, grades de janelas que dificultavam a saída, entre outras condições de insegurança.

A absolvição dos acusados, sob o argumento de que não se conseguiu individualizar condutas técnicas ou provar nexo causal penalmente relevante, renova em nós o sentimento de impunidade e fragiliza o mecanismo de proteção à vida e à segurança dos menores em entidades esportivas, formativas ou assistenciais no país.

A AFAVINU seguirá em busca de Justiça e na esperança de que a decisão seja revista e assim reitera seu pedido de que o processo seja acompanhado com rigor pelos órgãos de recurso para que a sociedade receba a mensagem de que tais condutas não ficarão impunes.

Para que a morte destes adolescentes não seja em vão, seguiremos exigindo dos órgãos de fiscalização (municipal e estadual) e do poder público em geral — inclusive esporte, juventude e fiscalização de edificações — a implementação de medidas concretas para tornar obrigatórias auditorias frequentes e manutenção preventiva em alojamentos de atletas, jovens/menores em todos os clubes do País, de modo que tragédias irreparáveis, como a do Ninho do Urubu, não se repitam.

Reafirmamos que a memória dos jovens não será silenciada: os nomes deles, suas vidas interrompidas em circunstâncias evitáveis, exigem que continuemos vigilantes.

A decisão judicial, ao não reconhecer a responsabilização penal, representa uma falha grave do sistema de justiça em seu papel pedagógico — e como tal, reforça em nós o dever de mobilização civil para fortalecer os mecanismos de fiscalização, transparência e responsabilidade em espaços de formação de jovens.

Conclamamos a imprensa, entidades de defesa dos direitos humanos, movimentos esportivos e toda a sociedade a não permitir que essa decisão se transforme em precedente de que a segurança de crianças e adolescentes pode ser tratada com negligência criminosa. A vida dos nossos filhos tem um valor irreparável e em memória aos 10 garotos inocentes lutaremos, até o fim, por uma Justiça efetiva e capaz de inibir novos delitos com sentenças que protegem as vítimas e não os algozes.

Aos torcedores do Flamengo e a todos que amam o futebol e as crianças, a AFAVINU faz um apelo: que a paixão pelos clubes se traduza também em compromisso com a vida. Que o amor pelo esporte, que move milhões de corações, seja também amor pela segurança, pela ética e pela memória daqueles dez meninos que sonhavam em vestir, com orgulho, a camisa rubro-negra ou de outros mantos sagrados. O verdadeiro espírito esportivo exige empatia, responsabilidade e humanidade. Honrar esses valores é proteger as futuras gerações de atletas e garantir que o futebol continue sendo motivo de alegria — nunca de luto.”

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Sepultamento do corpo do goleiro do Flamengo, Christian Esmério, de 15 anos, no Cemitério de Irajá. O atleta foi um dos 10 mortos no incêndio em um dos alojamentos do Ninho do Urubu. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

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